Esportes

Ana Moser se mantém combativa mesmo após exoneração do governo e cutuca Bets: 'Deveriam ter o compromisso moral com a estrutura da qual se beneficiam'

Medalhista de bronze olímpica, ela assumiu o cargo de presidente executiva da ONG Atletas pelo Brasil e diz que não tem interesse na presidência do COB: "Minha missão é social"

Agência O Globo - 06/05/2024
Ana Moser se mantém combativa mesmo após exoneração do governo e cutuca Bets: 'Deveriam ter o compromisso moral com a estrutura da qual se beneficiam'
Ministra do Esporte, Ana Moser - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Mesmo após rasteira, a ex-ministra do Esporte, Ana Moser se mantém combativa. De volta à ONG Atletas pelo Brasil, agora como presidente executiva, “dará continuidade” à agenda que ganhou holofotes quando fez parte do governo. Afirma que, enquanto esteve à frente da pasta, o esporte para todos cresceu, ganhou espaço na saúde, educação, assistência social e fez frente ao alto rendimento.

A medalhista olímpica de bronze em Atlanta-1996, no entanto, diz que não há investimento que suporte a necessidade da área de ponta a ponta se não houver parcerias com outras pastas. E que a Bets, que proliferam no futebol, deveriam ter “o compromisso moral” de investir nas lacunas da estrutura da qual apenas se beneficia.

Blog do Acervo: Ana Moser: A força de uma 'tigresa' do esporte derrubada pelo Centrão

Entrevista: ' Queria que se mantivessem mulheres nos ministérios, porque é preciso ter mais equilíbrio', diz Ana Moser

Paris-2024: Pela primeira vez na história, Brasil terá mais mulheres do que homens em Jogos Olímpicos

De Fufuca a Freixo: Receita da taxação das apostas esportivas abre disputa por verba dentro do governo

Exonerada do Ministério em setembro por decisão política, ela foi substituída por André Fufuca (PP). Em troca de mais apoio ao Executivo no Congresso, o deputado assumiu a área de olho na gorda arrecadação das apostas esportivas, agora regulamentadas (serão taxadas em 12%). O dinheiro será destinado ao esporte (maior parte), turismo e seguridade social. O governo estima arrecadar até R$ 2 bilhões em 2024 e projeta R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões para os anos seguintes.

Por que voltou à Atletas do Brasil?

A verdade é que nunca sai, a não ser por nove meses quando estive no governo (ajudou na fundação em 2006; antes era voluntária). Enquanto cumpri seis meses de quarentena (para assumir novo cargo), que se encerrou em março, aproveitei para retomar meus propósitos. E a possibilidade de dar um passo além com a construção de uma agenda sistêmica com a Atletas pelo Brasil me pegou. É o momento para este esforço concentrado.

Após esta vivência, o que pretende priorizar?

O tempo que passei lá só me deu a certeza de quais são os caminhos. Participei a várias mãos e como sociedade da construção deste desenho durante 20 anos. E mais na prática com o Instituto Esporte e Educação (criado em 2001 e já atendeu 7,5 milhões de crianças e jovens). Tenho conhecimento de chão de fábrica. Quando estive no Ministério, o esporte para todos ganhou força na escola integral, no sistema de saúde e de assistência social. Pautou estas agendas. Era difícil aparecer porque o alto rendimento sempre foi mais forte. E quem esteve lá (Ministério), que não era do esporte, só conhece o esporte que passa na TV. O pulo do gato agora é entender que o esporte não chegará a todos. Quem atingirá é quem tem a portinha: escola, posto de saúde, sistema de assistência social. O recurso está nestas pastas.

Esta pauta continua prioritária no Esporte?

Nosso papel aqui fora é fazer com que seja. Não sei se continua prioritário, mas estamos nos organizando para interagir com todos.

Com você à frente, a relação da Atletas é boa?

Essa é uma relação republicana, dentro de contexto democrático de participação. Como sempre fizemos, buscamos exercer o papel cidadão de reivindicar, buscar o debate e influenciar. Uma mensagem boa desta quarentena foi superar o que não deu certo e aproveitar o que foi bom. É o caminho para mim pessoalmente e para o Esporte. E uma lição que se tira é que o Esporte é uma prioridade menor frente a todas as prioridades. Essa quebra foi um desprestígio para a área. Claro que teve contexto político e não se questiona isso. Mas o universo esportivo deveria se incomodar.

Nesse jogo político, sua saída do Ministério também teve relação com o dinheiro que a pasta movimentará com a regulamentação das apostas. Como podem ajudar na aplicação destes recursos?

Não tem 100% resolvida a questão do financiamento em todos os níveis e não há recurso para todos. Existem muitos caminhos e é preciso mobilização para buscar espaço frente todas as prioridades sociais. O Esporte terá a sua parte nessa taxação das Bets e estamos atentos para construir estratégias. Não é demais comparar com a Cultura que tem sistema nacional há muitos anos, mas nunca foi aplicado porque faltava recurso. Sempre foram unidos, com voz única, e agora há alguns bilhões/ano no sistema para a Cultura.

As Bets investem no futebol porque os fãs assistem o jogo para também apostar com as próprias Bets... O que podem fazer pelo esporte para todos e olímpicos?

Criam um negócio em cima da disputa esportiva e deveriam ter o compromisso moral com esta estrutura da qual se beneficiam. A grande participação dentro de um contexto social de um setor de aposta, de jogo, é financiar as lacunas, o esporte de base, esporte para todos, competições estaduais (Sportsbets patrocina a NBB, por exemplo). É direcionar imposto e financiar diretamente e de maneira maciça. Pessoalmente sou contra jogo.

Não aposta em jogos de futebol nem nas Loterias?

Não sou abstêmia, mas não é meu dia a dia. Tenho questões de família e tal. Não tenho uma relação muito boa. Mas está aí, na sociedade, não estou julgando. Como brincadeira, tipo jogar na Mega-sena, já joguei. Mas aposta em jogo de futebol, em cassino não gosto. Nem gosto de jogo de cartas.

O que aconteceu?

Como em várias famílias... alguém com problema com jogo. Já deu para entender.

Como avalia a atuação das Comissões de Atletas?

Esse é outro eixo de atuação da Atletas pelo Brasil: empoderar os atletas que são o bem mais importante para cuidarmos. E esse é o caminho de participação dos atletas dentro do sistema, para que possam influenciar a gestão e o desenvolvimento de suas modalidades. A atuação era nenhuma ou tinha um ou outro ‘chapa branca’ só para dizer que tinha atleta ali. Hoje são eleitos, têm mandato, agenda e apoio jurídico. Há muito mais participação. Faz dez anos da promulgação da 18-A (lei que permitiu a participação de atletas nas eleições de comitês e confederações esportivas, além de limitar o mandato dos dirigentes). É um processo. O caminho de democratização do esporte é papel destas comissões, que têm poder de contribuir com a gestão.

A mentalidade mudou, eles têm mais coragem? Começou com a sua geração?

O sistema oprime demais. Na minha época, éramos amadoras e viramos profissionais. Vivemos menos tempo sob este sistema. E este sistema manda calar a boca. Foi muito importante a virada das Comissões de Atletas.

Está na hora ter uma mulher na presidência do COB? Yane Marques saiu da Comissão de Atletas do COB para ser candidata a presidente ou vice na próxima eleição.

É uma grande alegria ter esta possibilidade, uma chapa com um ‘atleta recente’. E não é por ela ser mulher, sua riqueza de participação a faz uma excelente candidata (foi presidente da CACOB de 2021 a 2024 e é Secretária Executiva de Esportes Educacionais no Recife). E seria uma quebra. No ano passado, em viagem à Austrália, por conta da Copa do Mundo de Futebol Feminino, o que vi? Ministras mulheres, várias. É regra (no governo). A divisão é 40% de homens, 40% de mulheres e 20% de diversidade. E aqui nem em empresa (privada).

Em Paris-2024 haverá equidade nas vagas para homens e mulheres, além da grande possibilidade do Time Brasil ter mais mulheres. E o COB terá um chefe de missão homem (Rogério Sampaio)...

Concordo que é uma grande chance perdida. É que só tem homem tomando decisão. Se não mudar a estrutura não alcançaremos a diversidade de cabeça pensante.

Te interessa a presidência do COB? Está na hora de ter uma mulher no cargo?

Não é a minha praia, não é meu foco nem minha base de experiência. Minha missão é social. Tem muita gente competente em termos técnicos. Acho até que deveria ampliar a participação de atletas como a Yane (na disputa). A Hortência é muito ativa na Comissão de Atletas, por exemplo. Mas acho que ela não se mete para disputa do cargo para não quer dor de cabeça (risos).