Internacional

'Fascismo nunca mais': Dezenas de milhares de pessoas celebram os 50 anos de democracia em Portugal

Comemorações do 50º aniversário da Revolução dos Cravas acontece em um cenário de recrudescimento da extrema direita e após declarações do presidente sobre reparações históricas

Agência O Globo - 25/04/2024
'Fascismo nunca mais': Dezenas de milhares de pessoas celebram os 50 anos de democracia em Portugal

Dezenas de milhares de pessoas celebraram nesta quinta-feira em Lisboa o 50º aniversário da Revolução dos Cravos, um golpe de Estado sem derramamento de sangue liderado por jovens oficiais portugueses que pôs fim a 48 anos de ditadura e a 13 anos de guerras coloniais em África.

Análise: Fala de líder português sobre reparação histórica é marco simbólico, mas faltam medidas concretas, dizem críticos

Revolução dos Cravos: Conheça personagens esquecidos do levante que derrubou ditadura em Portugal há 50 anos

O tradicional desfile popular ao longo da Avenida da Liberdade, ponto alto de centenas de iniciativas ao longo de várias semanas, reuniu uma enorme multidão durante a tarde, que gritava "25 de abril, sempre! Fascismo, nunca mais!", com cravos vermelhos na mão ou nas lapelas.

— É uma grande alegria estar aqui — declarou Helena Pereira, que tinha dezesseis anos na época do levante que virou a história de Portugal de cabeça para baixo.

O regime derrubado em 1974 havia nascido de uma ditadura militar estabelecida em 1926. O então ministro das finanças, Antônio Salazar, chefiou o governo entre 1932 e 1968, quando foi substituído pelo professor de direito Marcelo Caetano.

As comemorações atuais estão ocorrendo em um cenário de recrudescimento da extrema direita, personificada pelo partido Chega (Basta), que se tornou a terceira maior força política do país nas eleições legislativas de 10 de março, com 18% dos votos.

Tiago Farinha, estudante de 28 anos, explica que foi justamente por causa do "contexto político atual" que ele decidiu participar este ano, pela primeira vez, das comemorações que marcam a instauração da democracia.

Um tema tóxico

O dia começou com uma cerimônia militar em uma grande praça no centro de Lisboa, às margens do estuário do Tejo, com veículos militares da época restaurados para a ocasião. E terminou com um evento que reuniu o presidente português, o conservador Marcelo Rebelo de Sousa, e seus homólogos dos países africanos que se tornaram independentes após o advento da democracia: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Rebelo de Sousa surpreendeu antes da comemoração ao levantar a questão de possíveis reparações coloniais.

— Nós somos responsáveis pelo que fizemos lá. Temos que pagar os custos — disse ele na terça-feira em uma reunião informal com a imprensa estrangeira em Lisboa.

Essa posição, no entanto, enfrenta a oposição do novo governo de direita moderada. Segundo uma fonte governamental citada pelo semanário Expresso, “é uma questão tóxica" e "inoportuna".

Durante a sessão solene organizada na manhã desta quinta-feira no Parlamento, o presidente não voltou a mencionar sua sugestão. O líder da extrema-direita, André Ventura, acusou Rebelo de Sousa de "trair os portugueses".

— Pagar o quê? Pagar a quem? Eu tenho orgulho da história deste país — afirmou.

Uma revolução pacífica

De acordo com uma pesquisa publicada na semana passada, metade dos portugueses acredita que o regime autoritário derrubado em 1974 teve mais aspectos negativos do que positivos, embora um quinto pense o contrário. De qualquer forma, 65% dos entrevistados consideram a revolução de 25 de abril como o evento mais importante da História de Portugal.

— A principal motivação era resolver o problema da guerra colonial — lembrou o coronel reformado Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, herdeira do "Movimento dos Capitães", que organizou a revolta.

A Revolução dos Cravos foi assim chamada porque a população, que imediatamente se aliou aos líderes do golpe, distribuiu essas flores de primavera aos soldados, que as enfiaram no cano de seus rifles.

— São sobretudo as imagens tiradas nesse dia que transformaram o cravo vermelho em um símbolo da Revolução de 25 de abril e acabam dando uma visão romântica e poética a um ato que foi muito heroico, mesmo que essa revolução tenha sido particularmente pacífica — explica a historiadora Maria Inacia Rezola, responsável pelo extenso programa de comemorações.