Internacional
Comunidade judaica argentina vive dias de medo e teme exposição do governo Milei no conflito no Oriente Médio
Presidente argentino convocou gabinete de crise após ataque do Irã a Israel; país foi cenário de ataques terroristas em 1992 e 1994
Aos 86 anos, o comerciante José Salem ainda lembra com luxo de detalhes do dia 18 de julho de 1994, quando a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) foi alvo de um atentado terrorista que matou 85 pessoas. A sede da instituição judaica fica a dois quarteirões de sua loja de tecidos, no Once, considerado o principal bairro judeu da capital argentina. Nos últimos dias, as conversas entre moradores e trabalhadores do lugar foram dominadas pela escalada da tensão entre Israel e Irã, num clima de crescente medo. Dois anos antes do ataque à AMIA, a embaixada de Israel foi alvo de um atentado que deixou 22 vítimas fatais.
Na Argentina vive a maior comunidade judaica do mundo hispano, estimada em 125 mil pessoas, de acordo com o Censo realizado em 2022. Desde o ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, em 7 de outubro passado, a segurança foi redobrada em instituições como a AMIA, escolas e templos judaicos de Buenos Aires. Para comerciantes como José, a lembrança dos atentados passado ainda está muito presente.
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— Hoje a Argentina é um país observado, e, portanto, um país vulnerável. Podemos estar com mais segurança, mas nunca sabemos por onde pode vir o ataque — diz José, enquanto conversa com seu primo, Alberto Falak, que também tem uma loja no Once.
Ambos coincidem em que é preciso estar alertas. O lançamento de mísseis e drones por parte do Irã contra Israel sábado passado elevou ainda mais a preocupação na comunidade judaica local, uma semana depois de a Câmara Federal de Cassação da Argentina, principal instância criminal do país, ter determinado que o Irã esteve por trás do atentado contra a AMIA. A decisão é histórica, e com Javier Milei no poder pode abrir as portas para para processos contra a República Islâmica em tribunais internacionais. Milei tem um alinhamento total e público com Israel e com os Estados Unidos.
— Com o Irã temos de estar sempre alertas, não apenas na Argentina mas no mundo — declarou o presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (Daia), Jorge Knoblovits.
A conjunção de todos estes fatores preocupa setores da comunidade judaica, afirma Facundo Milman, especialista em pensamento judaico, que frequenta o mesmo centro judaico que o chefe de Estado, a Associação Comunidade Israelense Latina de Buenos Aires (Acilba). Um dos comentários que mais se ouve dentro da comunidade, aponta Milman, é o custo que o país poderia pagar pela exposição que representa o apoio explícito de Milei a Israel.
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Gabinete de crise
O presidente argentino interrompeu sua viagem aos Estados Unidos após o ataque iraniano de sábado passado, convocou um gabinete de crise e convidou o embaixador de Israel na Argentina, Eyal Sela, para conversar com seus ministros na Casa Rosada. Paralelamente, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, denunciou a presença de membros do grupo terrorista Hezbollah na fronteira entre Argentina e Bolívia.
— A comunidade judaica argentina não é monolítica, temos setores totalmente em sintonia com Milei e achando excelente a atitude do presidente, e temos outros que consideram que a Argentina está se expondo demais — explica o sociólogo Kevin Ary Levin.
Entre os setores não alinhados com Milei, acrescenta o especialista em Oriente Médio, “cresce a preocupação pela adoção de uma política externa que não necessariamente representa os interesses do país”.
— A política externa argentina é pendular, e hoje temos uma confusão entre a ideologia e os interesses do presidente com os do governo — diz Levin.
Com Milei, frisa o sociólogo, a Argentina abandonou uma posição equidistante no conflito. A última vez que o país seguiu esse caminho, no governo do peronista Carlos Menem (1989-1999), quando a Argentina colaborou com os países que enfrentaram o Iraque na Guerra do Golfo, o país foi alvo de dois atentados.
A lembrança do governo Menem, considerado por Milei o melhor da História da Argentina, voltou a estar muito presente. Segundo Milman, “alguns setores da comunidade judaica voltaram a sentir que a Argentina se tornou novamente um potencial alvo de atentados terroristas”.
— A Justiça demorou 30 anos em determinar a responsabilidade do Irã no ataque à AMIA. Como disse uma crítica literária argentina, um país que não pode resolver seus atentados terroristas é um país sem Justiça. Isso nos preocupa — afirma o especialista em pensamento judaico.
No bairro de Once, a lembrança dos dois atentados da década de 90 ainda é forte. A AMIA é símbolo de uma tragédia que marcou várias gerações. José tinha 56 anos quando o ataque ocorreu, e tem gravada em sua memória a imagem de uma vizinha que entrou em pânico, achando que seu sobrinho tinha morrido. Por sorte, lembra o comerciante, naquele dia o sobrinho não tinha ido trabalhar em seu escritório da AMIA. O comerciante não acredita que a História vá se repetir, mas está, como muitos outros membros da comunidade judaica, em esta de atenção plena.
Em algumas escolas, entre elas a ORT, os alunos não usam uniformes há meses, uma determinação que busca evitar qualquer tipo de situação desagradável. Uma mãe cujos filhos estudam na ORT de Buenos Aires comentou, sob condição de anonimato, que muitos pais estão preocupados, e que essa preocupação aumentado depois do último fim de semana.
Na Casa Rosada, Milei chefia pessoalmente o gabinete de crise, junto a sua ministra da Segurança.
— Aumentamos o nível de segurança em todos os lugares ou espaços que consideramos mais sensíveis — comunicou o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni.
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