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Saiba quem são os alvos da operação contra empresas de ônibus suspeitas de lavar dinheiro do PCC

Um dos investigados fez doação à campanha de vereador do PT que coordena campanha de Boulos. Legislador diz que repasse ‘foi feito de forma legal e devidamente registrado’

Agência O Globo - 09/04/2024
Saiba quem são os alvos da operação contra empresas de ônibus suspeitas de lavar dinheiro do PCC

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deflagrou nesta terça-feira ação conjunta com a Receita Federal e a Polícia para combater duas organizações criminosas suspeitas de lavar dinheiro para o PCC por meio do transporte público na capital paulista.

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Foram alvos de mandados de prisão quatro pessoas: Luiz Carlos Efigênio Pacheco, conhecido como "Pandora"; Robson Flares Lopes Pontes; Joelson Santos da Silva; e Silvio Luis Ferreira — este último está foragido. Também foi detido durante a operação Elio Rodrigues dos Santos, preso em flagrante por porte de arma. Mais de 50 endereços foram vistoriados, onde a polícia apreendeu dois fuzis, uma submetralhadora, duas pistolas e um revólver.

Luiz Carlos Efigênio Pacheco é dono da Transwolff, uma das empresas suspeitas de serem instrumentos para o branqueamento de valores provenientes de tráfico de drogas, roubos e outros delitos. A experiência de Luiz Carlos no ramo dos transportes vem desde a época das cooperativas clandestinas que operavam vans na capital paulista.

A Transwolff possui contratos com a SPTrans, a empresa pública responsável pelo sistema de ônibus em São Paulo, e atua majoritariamente na Zona Sul da capital. De acordo com os balanços da SPTrans, a Transwolff recebeu somente no ano passado R$ 748 milhões para operar 143 linhas de ônibus. O contrato da Transwolff com a prefeitura foi assinado em 2019 e é válido por 15 anos.

“Pandora”, como é conhecido Luiz Carlos, diz-se um “apaixonado por peças de montar” e afirma já ter confeccionado cerca de 50 peças em miniatura. O empresário enfrentou processo na Justiça em 2006, acusado de ter ajudado no resgate de um preso ligado ao PCC. O inquérito policial também associava o empresário à práticas de roubo e formação de quadrilha.

Nas eleições de 2020, o empresário fez doação de R$ 75 mil ao então candidato a vereador Antonio Donato (PT), que atualmente é um dos coordenadores do plano de governo da pré-campanha de Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura.

Procurado pelo GLOBO, Donato afirmou, por nota que Luiz Carlos o procurou porque “queria fazer doação para um candidato de oposição”. “Respondi que, se fosse de forma oficial, não haveria problema. Referida doação foi feita de forma legal e devidamente registrada, junto à Justiça Eleitoral, na minha campanha de reeleição a vereador”, concluiu Donato.

Já Robson Flares Lopes Pontes é dirigente da Transwolff e foi preso na garagem da empresa nesta terça-feira. Robson já havia sido preso em flagrante e enfrentado processo por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo em 2016.

O terceiro nome da Transwolff alvo da operação do MP-SP é Joelson Santos da Silva, que é representante de um escritório de contabilidade ligado à empresa.

Controlador da UPBus, empresa que opera principalmente na Zona Leste de São Paulo e que recebeu no ano passado quase R$ 88 milhões da prefeitura, Silvio Luis Ferreira é conhecido pelo codinome de “Cebola”.

Agora foragido, Silvio já foi flagrado com quase meia tonelada de maconha e foi apontado pela polícia como um dos principais chefes do PCC em liberdade. Uma investigação feita em 2022 pelo Departamento de Prevenção e Repressão ao Narcótico (Denarc) indicou que o empresário era “forte candidato” a assumir o posto de número 1 da facção criminosa nas ruas.

O esquema investigado pelo MP-SP envolve, segundo os promotores, 29 empresas ligadas à Transwolff e à UPBus, das quais a Justiça determinou o bloqueio de cerca de R$ 600 milhões em patrimônio para garantir o pagamento por dano moral coletivo. Também ordenou que a SPTrans, estatal de transporte coletivo da cidade, assuma as linhas administradas pelas empresas investigadas.

Intervenção nas empresas

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), nomeou Valdemar Gomes de Melo, diretor de planejamento da SPTrans (estatal paulistana de transporte público), como interventor na Transwolff. O prefeito também colocou Wagner Chagas Alves, diretor de operações da SPTrans, no comando da UPBus.

— Essa intervenção evidentemente será durante o período de investigação. Prefeitura faz a intervenção, assume a parte administrativa e as operações continuam normalmente. O que a gente não vai permitir é descontinuidade das operações — afirmou Nunes.

Procuradas pelo GLOBO, a TW e a UPBus ainda não se manifestaram.

"Contornos de máfia"

Lincoln Gakiya afirmou que o esquema desvendado traz preocupação e o comparou a esquemas mafiosos atuantes há décadas na Itália.

— O que nos preocupou muito é que a facção (PCC) tem tomado contornos de máfia, cuja característica principal é a infiltração nos poderes do Estado. Não detectamos nenhuma omissão por parte do poder público municipal, mas detectamos que (os criminosos) estão disputando licitações de serviço público municipal. Já ocorreu na Itália, e agora temos visto isso acontecer no Brasil — afirmou Gakyia.

Nos últimos anos, uma série de inquéritos mostrou que o PCC tem se infiltrado na chamada "economia formal" no estado de São Paulo como forma de lavar dinheiro obtido com o tráfico de drogas. A facção seria dona de empresas que vão da área de transporte até negócios imobiliários, postos de combustível e clínicas médicas e odontológicas.

Como mostrou O GLOBO, os inquéritos policiais apontam que a necessidade de encobrir os lucros cada vez mais altos com a venda de drogas no Brasil e, sobretudo, para a Europa e a África está por trás da sofisticada operação financeira com empresas no nome de parentes e de laranjas de traficantes. As informações policiais dão conta de que, em São Paulo, há pelo menos 250 loteamentos clandestinos nas mãos do crime organizado, que lesaram milhares de pessoas. Mostram ainda que, em 2020, um único criminoso - pioneiro na criação de consórcio de traficantes para pagar contêineres com drogas e enviá-los ao exterior - tinha pai protético e montou ao menos 60 clínicas odontológicas.