Economia

Brasileiro está entre os que mais confiam na IA no mundo, mas país patina em investimentos na área

Engajamento governamental do Brasil com a inteligência artificial também é problemático, aponta relatório da Oliver Wyman. Estudo ouviu 25 mil pessoas e avaliou cenário em dezesseis países

Agência O Globo - 26/03/2024

Brasileiro está entre os que mais confiam na IA no mundo, mas país patina em investimentos na área
Brasileiro está entre os que mais confiam na IA no mundo, mas país patina em investimentos na área - Foto: Reprodução / internet

Quando o assunto é confiança em adotar a inteligência artificial, o Brasil aparece à frente de nações desenvolvidas e com mais predisposição para a nova tecnologia do que a média global.

O entusiasmo do brasileiro, no entanto, não se reflete no ritmo de investimentos em IA, nem no apoio governamental para o setor. As conclusões fazem parte de um estudo da consultoria americana Oliver Wyman.

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O relatório indica que o Brasil tem um dos mais altos níveis de familiaridade (81%) e de confiança (94%) em relação à inteligência artificial, taxas que superam a de países como Estados Unidos e Reino Unido, que lideram os investimentos no setor.

No geral, 87% dos brasileiros afirmam que começaram a utilizar a inteligência artificial no trabalho - taxa que supera a média do restante dos países, que ficou em 79%.

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Em relação a frequência, 67% dizem que usam ferramentas de IA ao menos uma vez por semana, o que deixa o Brasil atrás apenas de Índia, Emirados Árabes e Indonésia nesse quesito.

Ao todo, 25 mil pessoas foram ouvidas, em dezesseis países, nos meses de julho, novembro e dezembro do ano passado. Todos os respondentes estão inseridos no mercado de trabalho.

Arnaud Dusaintpère, sócio da área de Varejo e Bens de Consumo da Oliver Wyman, destaca que o Brasil lidera, globalmente, os índices de confiança na inteligência artificial. Para ele, o resultado é fruto de uma cultura que costuma ser "mais permeável" a inovações digitais, com "grau de confiança a priori" em tecnologias:

— A alta penetração das redes sociais no Brasil pode ser um fator que facilita a adoção maior dessa tecnologia digital. Essa mentalidade é observável em vários setores, inclusive no varejo, em que existe uma curiosidade e uma capacidade forte para adotar e testar novas tecnologias sem preconceitos.— avalia.

Investimentos não refletem entusiasmo

Dusaintpère lembra que o entusiasmo do brasileiro com a IA é "inversamente proporcional"com a posição do Brasil em termos de investimento e envolvimento governamental com a tecnologia. Em termos de fluxo de capital, o país fica bem atrás de nações como EUA, Canadá, Itália e Alemanha.

Ao comparar o grau de engajamento de diferentes países com a IA, o Brasil aparece com a nota 8 (em uma escala de zero a 10) em "familiaridade", "confiança" e "adoção pela força de trabalho". Do outro lado, o país recebeu nota 4 em "fluxo de investimento" e pontuação 3 nos quesitos "patentes" e "envolvimento governamental".

O sócio da Oliver Wyman explica ainda que há um apetite das empresas brasileiras em "consumir" ferramentas de inteligência artificial para reduzir custos e aumentar a produtividade, mas o país tem lacunas em relação ao capital que irriga o desenvolvimento dessa tecnologia.

— Há menos fundos de Venture Capital (capital de risco) no Brasil em comparação com outros países, e menos startups e scale-ups (empresas maduras) brasileiras desenvolvendo esse tipo de tecnologia no Brasil — afirma Dusaintpère.

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Ele lembra também que, globalmente, Europa e EUA concentram a maior parte de todos os investimentos em IA. Dados da consultoria CB Insights mostram que o capital de risco voltado para inteligência artificial totalizou US$ 42,5 bilhões, no mundo, em 2023. Desse montante, 73,8% foi irrigado para startaups americanas e 15,2% para para europeias.

Sobre o nível de engajamento governamental nessa gente, Dusaintpère diz que enxerga avanços do governo atual em relação à agenda de tecnologia. No início do mês, durante reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), o presidente Lula defendeu a criação de um plano nacional para a inteligência artificial. No Congresso, parlamentares discutem um projeto de lei para regular a tecnologia.

47% fariam consulta médica com IA

O estudo avaliou dados e ouviu pessoas nos EUA, Canadá, México, Reino Unido, Itália, Alemanha, França, Espanha, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Austrália, Singapura, China (Hong Kong), Indonésia e Índia. Além do trabalho, foi medida também a predisposição, em cada país, para adoção da IA em áreas como saúde e finanças.

Quase metade dos brasileiros (47%) diz que realizaria consultas virtuais com IA para questões não urgentes, taxa superior à média de 40% no restante do mundo. Nas finanças, 45% dizem que aceitariam ter um consultor financeiro virtual, contra média global de 37%. Mais da metade dos entrevistados também usaria uma IA que o ajudasse a criar um orçamento personalizado.

Os dados gerais da pesquisa foram divulgados pela Oliver Wyman em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial, mas sem o recorte específico sobre o Brasil. No relatório, a consultoria previa que a IA generativa tinha o potencial de gerar US$ 20 trilhões adicionais no PIB global até 2030, e poupar 300 bilhões de horas de trabalho.

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O estudo também apontava para o temor de trabalhadores em relação ao impacto da IA para perda de postos de trabalho — três em cinco trabalhadores de escritório temiam que suas funções pudessem ser automatizadas. A consultoria estima 60% da forma de trabalho global vai precisar ser requalificada até 2027, com um custo de US$ 1,7 trilhão para treinar profissionais para aplicação da IA.