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Feridos a bala na tragédia em Gaza foram atingidos na parte superior e inferior do corpo, diz autoridade da ONU

Israel nega que soldados abriram fogo contra multidão, dizendo que só fizeram disparos de alerta ou contra as pernas de um grupo específico que consideraram uma ameaça

Agência O Globo - 02/03/2024
Feridos a bala na tragédia em Gaza foram atingidos na parte superior e inferior do corpo, diz autoridade da ONU

Observadores da ONU visitaram o Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza, e verificaram que muitas das 200 pessoas ainda internadas após a tragédia na entrega de ajuda humanitária na madrugada de quinta-feira estão sendo tratadas por ferimentos a bala.

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Autoridades palestinas acusaram Israel de disparar contra as multidões, deixando ao menos 112 mortos e 760 feridos, segundo o Ministério da Saúde do enclave, que é controlado pelo grupo terrorista Hamas. As Forças Armadas de Israel negaram a acusação, afirmando que as mortes decorreram de uma debandada durante a entrega de alimentos, admitindo apenas disparos pontuais em direção a um grupo de palestinos que os soldados avaliaram como sendo uma ameaça.

Giorgios Petropoulos, chefe do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha), disse à rede britânica BBC que ele e uma equipe enviada ao hospital constataram que quase todos os 70 a 80 pacientes na sala de emergência foram feridos no incidente do comboio. Além daqueles com ferimentos a bala, os médicos também estavam tratando muitos que caíram ou foram pisoteados — ele, porém, não soube dizer qual grupo era maior.

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Segundo Petropoulos, os com ferimentos a bala foram atingidos na parte superior e inferior do corpo. Um paciente lhe relatou que, após ser ferido no peito, caminhou até o Shifa para receber tratamento.

— Ele disse que eles [os soldados israelenses] geralmente atiravam para o alto. Dessa vez, eles atiraram na parte mais densa da multidão — disse Petropoulos, fazendo a ressalva de nem ele ou sua equipe da ONU estavam presentes no incidente para saber exatamente o que aconteceu.

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Previamente, Mohamed Salha, gerente interino do Hospital Al-Awda, afirmou à BBC que haviam recebido 176 dos feridos, dos quais 142 tinham ferimentos a bala. Os outros, explicou, tinham quebrado as pernas ou os braços.

Estados Unidos, União Europeia (UE), França e ONU pediram uma investigação independente do caso, e a Alemanha reivindicou que o Exército de Israel apure “completamente como o pânico em massa e os disparos puderam acontecer". Também cresceu a pressão por uma trégua e para que Israel facilite a entrada de mais ajuda humanitária no território, que sofre com grave escassez de alimentos, água e medicamentos por causa do conflito. Segundo o Programa Alimentar Mundial alertou, a fome é iminente no norte de Gaza, onde cerca de 300 mil pessoas vivem com pouca comida e água potável.

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Segundo as Nações Unidas, 2,2 milhões dos 2,3 milhões de habitantes do enclave estão ameaçados pela fome após quase cinco meses de conflito, que provocou mais de 30 mil mortes, em sua maioria mulheres e crianças, segundo autoridades palestinas.

Dúvidas em vídeo

A tragédia ocorreu na madrugada de quinta-feira, quando milhares de pessoas famintas se aglomeraram perto de um comboio de alimentos na Cidade de Gaza, com soldados e tanques israelenses na redondeza.

Autoridades de saúde de Gaza acusam Israel de disparar contra as multidões, mas o Exército israelense afirma que a maior parte das mortes foi causada por "empurra-empurra, pisoteamento e atropelamentos" por parte dos 38 caminhões do comboio. Uma fonte do Exército israelense disse ao GLOBO que os motoristas dos veículos eram palestinos e que também houve disparos feitos por palestinos armados enquanto os residentes tentavam saquear as cargas. As Forças Armadas israelenses, porém, não divulgaram provas para corroborar essa afirmação.

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Em um episódio separado, afirmou o Exército de Israel, dezenas de palestinos que tentaram saquear o último caminhão do comboio começaram a se mover em direção a uma unidade das Forças Armadas de Israel que estavam em tanques na área, o que fez os soldados fazerem disparos de alerta para o ar antes de mirar nas pernas daqueles que continuavam avançando em sua direção.

O Exército de Israel divulgou dois vídeos feitos por um drone, que não incluem áudio, para confirmar seu relato sobre o incidente. O primeiro, afirma Israel, mostra uma debandada em massa em que residentes de Gaza são pisoteados. Mas, afirmou o jornal americano New York Times após analisar as imagens, a qualidade e a duração dos clipes dificultam confirmar as alegações, aumentando as dúvidas sobre a sequência de eventos que levaram às mortes.

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A gravação foi editada pelo Exército israelense com vários clipes intercalados, omitindo um momento-chave antes que muitos na multidão começassem a correr para longe dos caminhões, com algumas pessoas aparentemente buscando proteção.

Após o corte, ao menos mais de dez corpos aparecem visíveis no chão, embora não esteja claro se as pessoas estão feridas ou mortas. Um pequeno número de indivíduos pode ter sido atingido por caminhões durante o pânico, e dois veículos militares israelenses também são visíveis no local.

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Já um vídeo gravado dentro de Gaza por uma afiliada da rede catari al-Jazeera mostra a multidão perto do comboio de ajuda. Em seguida, o som de tiros é capturado, e é possível ver várias munições traçantes no céu, um tipo de projétil que se acende para iluminar um caminho determinado e ajudar tropas a ajustar a mira em seus alvos. Apesar de o autor dos disparos não aparecer no vídeo, a trajetória dessas rajadas mostra que partem do sudoeste da estrada costeira de Al-Rasheed, região onde estavam estacionados os dois tanques visíveis no vídeo do drone, a apenas 250 metros de distância.

Outro vídeo, feito várias horas depois e postado no Instagram, mostra pelo menos uma dúzia de pessoas feridas em cima de um caminhão. Um médico de Gaza disse ter visto dezenas de mortos e feridos a bala deitados na rua, além de corpos de pessoas que pareciam ter sido pisoteadas ou atingidas por caminhões de ajuda. (Com New York Times)