Internacional

ONGs e partidos venezuelanos denunciam prisão de ativista e crítica do governo

Rocío San Miguel teria sido detida quando viajaria para o exterior com a filha no âmbito das investigações por suposta 'conspiração' de assassinato contra Maduro

Agência O Globo - 11/02/2024
ONGs e partidos venezuelanos denunciam prisão de ativista e crítica do governo

A ativista e especialista em questões militares na Venezuela, Rocío San Miguel, foi detida quando estava prestes a fazer uma viagem para o exterior, denunciaram organizações de direitos humanos e políticos da oposição neste fim de semana. Poucas semanas antes, 36 pessoas foram presas, acusadas de cinco supostos planos para assassinar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e a captura de outras 11 foi ordenada pela procuradoria-geral da república — um grupo que inclui ativistas de direitos humanos, jornalistas e militares no exílio. As autoridades não fizeram ainda nenhuma declaração oficial sobre o caso.

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De acordo com relatos iniciais de ativistas, a detenção de San Miguel, uma advogada de 57 anos e crítica do governo do presidente Nicolás Maduro, ocorreu na sexta-feira no aeroporto Simón Bolivar, em Maiquetía, estado de Vargas.

O anúncio da neutralização de cinco "conspirações" de assassinato contra Maduro foi feito pelo procurador-geral do país, Tarek William Saab, aliado político do presidente. No dia, 32 pessoas foram presas — número que aumentou para 36 dias depois.

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Uma dessas conspirações seria conhecida como "Braçadeira Branca", na qual San Miguel estaria supostamente envolvida. A conspiração consistia em um ataque a uma base militar em Táchira, na fronteira com a Colômbia, para tomar armas e assassinar líderes chavistas.

Maduro, que está concorrendo à reeleição este ano, frequentemente denuncia conspirações para derrubá-lo e assassiná-lo.

Repercussão

A prisão de San Miguel gerou uma onda de manifestações de organizações e partidos políticos do país. Segundo a imprensa local, usuários das redes sociais também passaram a usar a hashtag "#DóndeEstáRocío" (Onde está Rócio, em tradução livre) para exigir a libertação da advogada.

Na rede social Instagram, o jornalista e ativista de direitos humanos Luiz Carlos Díaz explicou que San Miguel e sua filha, desde 2012, têm medidas cautelares da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) após terem sofrido ataques e assédio.

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Em 2018, San Miguel, presidente da ONG venezuelana Social Watch, ganhou um caso contra a Venezuela perante a corte pela violação dos direitos políticos e de expressão, após ter sido demitida de um órgão público por apoiar em 2003 a convocação de um referendo revogatório contra o então presidente Hugo Chávez (1999-2013).

"Devemos exigir sua libertação, que sua integridade seja respeitada, que o desaparecimento forçado cesse e que ele não seja mais vítima de ataques por seu trabalho", afirmou Díaz, citado pelo jornal venezuelano El Pitazo.

A ONG Provea, voltada para direitos humanos, confirmou a prisão da ativista em uma publicação no X, antigo Twitter, neste domingo. Na mesma publicação exigiu "a libertação imediata [de San Miguel]" e denunciou "que esse novo abuso faz parte da dolorosa prática de perseguição contra aqueles que defendem e exercem direitos".

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Numa publicação feita uma hora depois, a ONG escreveu que a prisão de San Miguel "constitui um acontecimento MUITO SÉRIO [sic] que destaca o encerramento progressivo do espaço cívico e os esforços daqueles que governam para reprimir vozes críticas."

No sábado, a ONG Justicia, Encuentro y Perdón também se manifestou através das redes sociais, exigindo a libertação "imediata" de San Miguel.

"San Miguel é uma importante especialista em questões militares, de segurança e de defesa que denuncia constantemente irregularidades no setor militar, e seu trabalho deve ser respeitado e protegido conforme estabelecido pela Constituição e pelas normas internacionais de direitos humanos", afirmou.

A Anistia Internacional (AI) pediu sua "libertação imediata e incondicional", apelo endossado pelo Centro de Justiça e Paz (Cepaz), que ressaltou "a garantia plena de sua vida e integridade".

Já o partido de oposição Voluntad Popular publicou nas redes sociais uma foto de San Miguel com a Legenda "Desaparecida pelo regime de Maduro". Os partidos Primero Justicia e Encuentro Ciudadano também criticaram a prisão da advogada e, segundo El Pitazo, pediu a condenação da comunidade internacional.

A promotoria venezuelana ainda não se pronunciou sobre o caso.

ONG: Centenas de 'presos políticos'

Nessas últimas supostas conspirações, 36 pessoas foram presas — 12 pela "Braçadeira Branca", incluindo a jornalista Sebastiana Barráez, segundo El Pitazo — e 22 pessoas têm mandados de prisão, disse o procurador-geral Saab, em 26 de janeiro.

— Alertamos o mundo que o ataque repressivo do regime de Maduro continua — condenou María Corina Machado, a principal figura da oposição antes das eleições presidenciais de 2024, apesar de uma desqualificação política de 15 anos contra ela.

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Outro líder da oposição, Henrique Capriles, por sua vez, denunciou que "mais uma vez o governo continua a dinâmica de terror, perseguição, criminalização e arbitrariedade para neutralizar aqueles que pensam de forma diferente".

De acordo com a ONG Foro Penal, a Venezuela tem 261 "presos políticos", incluindo 18 mulheres e 146 militares.

Em outubro passado, o governo e a oposição assinaram um acordo político antes das eleições presidenciais, que levou à libertação de 10 americanos e 24 outros venezuelanos que estavam presos na Venezuela por motivos políticos, em troca de Alex Saab, acusado de ser o homem de frente de Maduro e que estava detido nos Estados Unidos por acusações de lavagem de dinheiro. (Com AFP)