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África do Sul explora estruturas criadas para evitar genocídios como o Holocausto, critica líder de instituição que apoia Israel

Cofundadona de organização internacional de educação defende que mundo se concentre em pressionar o Hamas à rendição em vez do caso levado adiante por Pretória na Corte Internacional de Justiça

Agência O Globo - 27/01/2024
África do Sul explora estruturas criadas para evitar genocídios como o Holocausto, critica líder de instituição que apoia Israel

A resposta inicial dada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) à petição da África do Sul que acusa Israel de cometer genocídio ocorreu na véspera do Dia Internacional da Lembrança do Holocausto neste sábado — massacre de judeus que deu origem à Convenção da ONU sobre Genocídio. Na decisão, a primeira de um processo que deve se arrastar por anos, a CIJ evitou ordenar que o governo israelense cesse sua campanha militar na Faixa de Gaza, só determinando que adote "todas as medidas" para não cometer "atos de genocídio" e deixe entrar mais ajuda no território.

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Roz Rothstein, CEO e cofundadora da StandWithUs, organização internacional de educação que apoia Israel e combate o antissemitismo, considera um “ultraje moral” o caso sul-africano. Para ela, é Israel que “combate um inimigo verdadeiramente genocida” em Gaza, que é controlado pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas desde 2007.

Para Rothstein, as mais de 26 mil mortes no enclave durante a ofensiva israelense decorrem das dificuldades criadas pelo grupo para travar uma batalha “sem causar danos aos civis”, afirmando que a responsabilidade pelas baixas nos dois lados do conflito “está diretamente com o Hamas”.

Ao GLOBO, Rothstein relata como ser filha de sobreviventes do Holocausto marcou sua vida e como o 7 de outubro, quando o Hamas deixou 1,2 mil mortos em Israel, se inserem na memória coletiva do genocídio de judeus. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail desde os Estados Unidos.

Qual o impacto da história de seus pais em sua formação?

Cresci ouvindo como meus pais viverem em meio à ascensão do antissemitismo no anos 1930 na Romênia e Polônia e como tudo culminou em uma tempestade perfeita que privou o povo judeu de seus direitos civis, e ninguém se importou. Perdi 80 membros da minha família por parte de mãe. Minha mãe e seus pais fugiram sem ter onde se abrigar e acabaram doentes na congelante Sibéria, enquanto meu pai passou um período em um campo de trabalhos nazista e depois escondido na Romênia. Já na juventude, entendi que palavras violentas podem levar a ações violentas e que boas pessoas têm de se manter firmes contra a intimidação voltada às minorias. Ser filha de dois sobreviventes do Holocausto me tornou particularmente sensível para os perigos da propaganda antissemita.

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Qual sua opinião sobre a petição sul-africana contra Israel?

Como filha de sobreviventes do Holocausto e CEO de uma organização educacional de Israel, considero um ultraje moral e uma forma perigosa de transformar a desinformação em arma. A África do Sul cinicamente explora as estruturas legais criadas para evitar a repetição do tipo de genocídio que a minha família sofreu. Enquanto isso, Israel combate um inimigo verdadeiramente genocida — o Hamas – ao mesmo tempo em que ajuda a entregar dezenas de milhares de toneladas de alimentos e outras assistências aos civis em Gaza. Para acabar com o sofrimento horrível de israelenses e palestinos inocentes nessa guerra, o mundo deve concentrar-se em pressionar o Hamas a render-se e não em demonizar Israel na CIJ.

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A sra. mencionou em outras entrevistas que a criação da StandWithUs em 2001, período da Segunda Intifada (levante palestino), surgiu após perceber que "a história é sempre distorcida para culpar Israel". Ainda vê assim?

Infelizmente, sim. Por exemplo, em vez de culpar o Hamas por começar a atual guerra com Israel, em 7 de outubro, alguns jornalistas foram rápidos em questionar o direito de Israel de defender seus cidadãos. Em vez de condenar a tortura e o massacre de 1,2 mil pessoas e o sequestro de outras 240, alguns criticarsam Israel por suas ações de contraterrorismo. As mortes de menores e civis em Gaza são de partir o coração, mas a culpa por todas as consequências de 7 de outubro cai diretamente nos ombros do Hamas.

Segundo a imprensa dos EUA, desde 2018, o Catar fez pagamentos mensais para o Hamas encorajado pelo premier Benjamin Netanyahu. Israel avaliou que o dinheiro faria o Hamas centrar-se em governar, e não guerrear, e o tornaria um contrapeso contra a Autoridade Nacional Palestina, evitando um Estado palestino. Como vê esse cálculo político?

Não sei sobre cálculos. Mas sei o que vejo. Os líderes palestinos têm um histórico de rejeitar as ofertas de paz de Israel. O Hamas assumiu o controle de Gaza e não se engajou na construção nacional por mais de 15 anos. Em vez disso, usou o dinheiro doado pela comunidade internacional para construir centenas de quilômetros de túneis. A missão do Hamas é matar judeus e destruir o Estado de Israel, intenções demonstradas em 7 de outubro e com a promessa de repetir tais massacres. Os povos israelense e palestino seriam mais bem servidos se o Hamas fosse destruído, o que livraria a população de Gaza e os israelenses de serem regularmente submetidos ao terrorismo.

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Como o 7 de outubro se insere na memória coletiva do Holocausto?

Os terríveis eventos do 7 de outubro previsivelmente causaram transtorno de estresse pós-traumático em sobreviventes do Holocausto e seus descendentes. Mesmo judeus sem conexão pessoal com o Holocausto não podem evitar ser lembrados das histórias de assassinatos nazistas que nos são tão familiares. Pessoas se escondendo sob corpos, sob camas ou armários, sendo caçadas em campos, mulheres torturadas e estupradas, pessoas executadas a tiros na rua, queimadas vivas, e bebês em fornos, decapitados. A diferença é que, enquanto os nazistas cometeram crimes de guerra incalculáveis, e então tentaram negar o que aconteceu, o Hamas orgulhosamente gravou seus ataques bárbaros. E, quando o ataque acabou, houve antissemitas negando que as atrocidades realmente ocorreram, adicionando insulto à dor. Judeus em todo o mundo não ficaram só coletivamente chocados pelas atrocidades do 7 de outubro quanto expressaram profunda preocupação sobre a falta de condenação e empatia de grupos de justiça social que alegam se importar com o sofrimento humano. Ainda esperamos ouvir mais de nossos aliados e de grupos sociais que deveriam fazer mais do que ficar em silêncio depois de observar o tormento do maior número de judeus desde o Holocausto.

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Como Israel e Egito controlam os pontos de saída de Gaza, o conflito é o único no mundo que não dá à população o direito de fugir. A ofensiva poderia ter salvaguardado mais vidas civis?

Israel tem como alta prioridade preservar a vida, tanto de israelenses quanto de palestinos, enquanto o Hamas deliberadamente tornou essa batalha de difícil execução sem causar danos aos civis palestinos. O Hamas esconde seus lançadores de foguetes, munição e quartéis-generais sob escolas, casas e hospitais, sabidamente usando a população civil como escudo para se proteger contra as Forças Armadas israelenses. Aqueles que querem um cessar-fogo primeiramente devem pedir o retorno seguro dos reféns e a rendição do Hamas. Israel não pode continuar vivendo ao lado de uma entidade terrorista.

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Autoridades americanas, incluindo o presidente Joe Biden, vêm manifestando preocupações de que o país perca apoio internacional pela guerra, citando os "bombardeios indiscriminados" e o "governo mais conservador na História de Israel", que não "quer uma solução de dois Estados". Israel corre risco de isolamento?

A guerra que o Hamas começou é muito difícil de assistir a milhares de quilômetros de distância, mas infelizmente muito fácil de julgar. O Ministério de Saúde do Hamas cita números [de mortos] que não podem ser confiados. Apenas os estrategistas militares israelenses sabem quais são seus planos, e o resto do mundo pode apenas tentar adivinhar. Mas algumas coisas são certas. Há inocentes que morreram tragicamente em Gaza. Também é certo que o governo americano está do lado de Israel e entende que Israel luta contra um governo terrorista em Gaza. Enquanto todos concordam que as consequências da guerra são dilacerantes, a maioria das pessoas entende que Israel busca dois objetivos: o retorno seguro dos reféns e a aniquilação do Hamas. A responsabilidade de todas as baixas, tanto em Israel quanto em Gaza, está diretamente com o Hamas.

Desde o início da guerra, houve um aumento do antissemitismo e da islamofobia no mundo. Esses preconceitos são equivalentes na desumanização de ambos os grupos?

Não examinei os incidentes de islamofobia, mas concordo que a intolerância e a intimidação de grupos minoritários não têm lugar na sociedade civil. A escalada dos ataques antissemitas, porém, é sem precedentes e não precisa ser comparada a incidentes de ódio contra nenhum outro grupo. Quase 60% dos crimes de ódio religioso nos EUA têm como alvo judeus. Embora devamos nos preocupar com todos os atos de intolerância, a comunidade judaica é proporcionalmente mais atacada do que qualquer outro grupo e deve adotar passos para se proteger. Instituições, como universidades, devem exercitar a sensibilidade e adotar quaisquer precauções para que sua comunidade judaica se sinta segura neste incomum momento histórico em que o povo judeu é alvo em números maiores do que antes, desde o Holocausto.

Muitas pessoas veem as críticas a Israel serem desconsideradas de uma forma que deslegitima suas posições. Se o rótulo de “antissemitismo” for excessivamente utilizado, não há o risco de enfraquecer essa luta?

É conveniente desconsiderar a intolerância contra os judeus e Israel ao acusar a vítima judia de ter uma "reação exagerada". Israel é um importante componente da identidade judaica para muitos judeus, então quando Israel e/ou o sionismo são marginalizados, seja pela demonização, deslegitimação ou padrões duplos não aplicados a outros países no mundo, os judeus e israelenses têm o direito de expressar suas preocupações sobre um preconceito antissemita. Metade dos judeus do mundo vive em Israel, e a outra metade tem amigos ou parentes em Israel. Aqueles que expressam intolerância antijudaica ficam incomodados quando ouvem que estão sendo rascistas ou tendenciosos e acusam o povo judeu de tentar silenciá-los para que possam continuar expressando seu preconceito. Em resumo, querem expressar suas ideias rascistas sem ser chamados de rascistas.

De que forma as sociedades israelense e palestina podem fazer uma autorreflexão que as leve a encontrar uma solução pacífica para o conflito?

É difícil fazer um acordo com uma organização terrorista como o Hamas, que apela abertamente à aniquilação de Israel e ao assassinato do povo judeu. Quando o Hamas desaparecer, o povo palestino em Gaza será livre para construir um Estado e finalmente desfrutar de autodeterminação sem a ameaça de ser assassinado por aceitar Israel como seu vizinho e desejar um futuro melhor para os seus filhos. Imaginem um Oriente Médio onde Israel e os palestinos possam coexistir e cooperar de forma a melhorar o futuro de todos na região.