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Futilidade midiaticamente edificada
Existem certas coisas que conseguimos apenas compreender, com alguma clareza, com o passar dos anos. Na verdade, bem na verdade, praticamente todas as coisas, que têm um mínimo de importância, acabam se encaixando na justeza dessa caixinha.
Por essa razão, tanto Norbert Elias como Gilberto Freyre, a muito, nos chamam a atenção para isso, para a importância de aprendermos a nos envolver de corpo e alma com as tramas dos acontecimentos e, em seguida, sermos capazes de nos distanciar das mesmas para, na solitude, refletirmos sobre tudo aquilo que foi vivido e testemunhado, direta e indiretamente, por nós.
Esse vai-e-vem, esse envolver-se e afastar-se do pulso da vida, é algo que todos nós realizamos, principalmente quando atingimos uma determinada idade
Quando voltamos os nossos olhos para a nossa mocidade, estando longe dos verdes anos, conseguimos obter uma compreensão mais cristalina da nossa própria vida, tendo em vista que o tempo e a distância alteram o valor que damos a certos pesos e medidas.
Essa mudança de perspectiva que ocorre em nosso íntimo, frente a experiências vividas, pode e deve ser cultivada como um precioso instrumento de análise histórica.
Um bom exemplo da aplicação desse procedimento, de envolvimento e distanciamento, é o da ascensão e queda de Júlio César, na Roma Antiga, em comparação com os acontecimentos que marcaram a Nova República Brasileira, dos idos de 1985 até os dias atuais.
No primeiro caso, vejam só, conseguimos descrever, analisar e refletir sobre as mais variadas nuanças e minúcias que marcaram o período e, ainda por cima, vislumbrar as incontáveis variáveis que influenciaram o curso dos acontecimentos e, conseguimos fazer isso, sem ter aqueles comichões de indignação dissimulada.
E, assim o é, porque não estamos envolvidos até o tutano com as tramas da tessitura dos acontecimentos, o que nos permite ter uma visão de conjunto do sangue, do suor e das lágrimas que foram derramadas para dar forma a esse drama histórico.
Agora, no que tange o segundo exemplo, o compasso do baile é bem diferente, tendo em vista que fazemos parte dos acontecimentos, mesmo que de maneira indireta e involuntária.
Não é à toa, nem por acaso, que muitas e muitas pessoas azedam o leite de vereda com velhos amigos, por conta de suas opiniões sobre o atual governo, ou a respeito dos governos anteriores da Nova República e assim por diante.
E, isso ocorre porque, entre outras coisas, temos dificuldade de nos distanciar do momento presente, e de nós mesmos, para vermos o cenário como um todo, em uma perspectiva com maior profundidade histórica.
Dificuldade essa que se deve a inúmeros motivos; e, destes inumeráveis, dois se destacam.
Primeiro, porque não queremos admitir a possibilidade de estarmos redondamente errados, por conta do nosso envolvimento afetivo e partidário com as questões do momento. E, é claro, por vaidade.
Em segundo lugar, nos distanciar do midiatizado turbilhão de afetos políticos, dá um trabalho miserável, exige um esforço danado e, é claro, uma boa dose de estudo abnegado que, inevitavelmente, irá nos afastar do convívio com as rodas de escarnecedores presenciais e digitais. E, é claro, nem sempre estamos dispostos a isso.
E se temos tudo isso em conta e, mesmo assim, não procuramos nos distanciar para melhor compreender os acontecimentos que estão afetando a sociedade em que vivemos, ao invés de uma visão com profundidade e penetração histórica, o que teremos, infelizmente, é apenas e tão somente borbotões e mais borbotões de sentimentos confusos em relação a tudo, a todos e, principalmente, em relação a nós mesmos.
Sentimentos esses que apenas fragilizam cada vez mais a nossa mirrada consciência dos fatos, impelindo-nos a nos atirar [depre]civicamente na midiática fogueira das vaidades ensandecidas e ideologicamente descabidas.
Não é por acaso que Gilberto Freyre nos lembra que o saber deve ser como um rio, cujas águas, grossas e copiosas, devem transbordar o indivíduo e se espraiar para todos os lados. E, por essa razão, temos que tomar muito cuidado para que o nosso conhecimento não seja reduzido a apenas um punhado de futilidades do momento.
E não há nada mais fútil do que querermos ter razão a respeito de problemas que não compreendemos com um mínimo de profundidade e que, ainda por cima, temos a pachorra de não termos a menor disposição para tentar compreendê-los com um mínimo de honestidade.
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