Brasil
'Ouro negro': saiba o que levou a PF a investigar Alexandre Pires
Cantor foi alvo de busca e apreensão na Operação Disco de Ouro, suspeito de envolvimento com uma organização criminosa
Quando se pensa em garimpo ilegal no Brasil, extração de ouro é a primeira coisa a vir à mente. Mas a busca dos garimpeiros ilegais por outro material, a cassiterita, tem se tornado cada vez maior, sobretudo em Roraima, na vulnerável Terra Indígena Ianomâmi, onde já há anos várias dessas quadrilhas têm conseguido obter em abundância a rocha, que é minerada e exportada ilegalmente com uso de notas frias. Nesta segunda-feira, o cantor Alexandre Pires foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal na Operação Disco de Ouro, suspeito de envolvimento com uma organização criminosa especializada justamente na exploração do "ouro negro", como é conhecido no mercado clandestino.
A cassiterita é a principal fonte para se obter o estanho, metal nobre que é usado na fabricação de smartphones e tablets, por exemplo, que contam com o elemento na composição do material da tela, e internamente nas placas de circuitos eletrônicos. O estanho compõe ainda o revestimento interno de enlatados, é parte na fabricação de fungicidas e usado na indústria para formar ligas, como bronze, latão e soldas. A tonelada no mercado internacional já superou os US$ 40 mil — quase R$ 200 mil.
A demanda por essa matéria-prima explodiu durante a pandemia, puxada pelo aumento na procura por aparelhos eletrônicos, como computadores e celulares, o que fez com que o valor também disparasse. Isso, é claro, despertou a atenção dos garimpeiros ilegais que já manejam a cassiterita desde os anos 1970.
As apreensões logo dispararam. De acordo com relatório do Ministério Público Federal, de janeiro de 2021 até início de maio de 2022, foram apreendidas mais de 200 toneladas de cassiterita só em Roraima. Em janeiro deste ano, uma única ação da Polícia Federal apreendeu 30 toneladas do minério. Em março, outra operação da PF, também em Território Ianomâmi, apreendeu outras 27 toneladas. No último dia 1º, agentes da Polícia Rodoviária Federal apreenderam 7,5 toneladas em Boa Vista (RR). A PRF estima que mais de 400 toneladas tenham sido apreendidas pela instituição nos últimos três anos.
No ofício do MPF que acabou garantindo, em maio deste ano, que todo a cassiterita apreendida pela PF fosse leiloada e abastecesse financeiramente as ações de combate ao garimpo ilegal, os procuradores destacaram que a Secretaria de Finanças do Estado de Rondônia (estado para onde os garimpeiros mais costumam enviar a cassiterita após a extração, antes da exportação) avaliava o quilograma do minério em R$ 120 por quilo. "O quantitativo de minério apreendido é tão expressivo que as entidades públicas têm enfrentado dificuldades para armazená-lo em seus pátios, sujeitando-os ao risco de furto e degradação ambiental", diz o documento.
Embora o garimpo seja ilegal, a exportação de minérios de Roraima, que em tese não tem uma única mina legalmente, teve uma escalada. Até 2020, o ouro ianomâmi chegava a representar na balança comercial do estado quase 20% das exportações. No ano passado, em meio às operações policiais, o ouro sumiu da balança e deu lugar à cassiterita, cuja exportação somou cerca de 700 toneladas no total, uma aparente contradição.
De acordo com a PRF, As apreensões de cassiterita são mais frequentes no Norte, onde estão localizadas as maiores reservas do minério: Amazonas, Rondônia e Roraima. Mas a rota do minério alcança outros estados mais afastados, como no caso de uma de 20 toneladas este ano, em São Paulo. Desde 2020, 664 pessoas foram detidas pela PRF em ocorrências envolvendo o composto.
Esquema de R$ 250 milhões
A Operação Disco de Ouro, segundo a Polícia Federal, teve como objetivo desarticular um esquema de financiamento e logística ao garimpo ilegal na Terra Indígena Ianomâmi. Foram cumpridos, nesta segunda-feira, dois mandados de prisão e seis de busca e apreensão, expedidos pela 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima, em Boa Vista e Mucajaí, em Roraima, além de São Paulo e Santos (SP), Santarém (PA), Uberlândia (MG) e Itapema (SC). Também foi determinado o sequestro de mais de R$ 130 milhões dos suspeitos.
O esquema, segundo a PF, seria voltado para a “lavagem” de cassiterita retirada ilegalmente da terra indígena, no qual o minério seria declarado como originário de um garimpo regular no Rio Tapajós, em Itaituba/PA, e supostamente transportado para Roraima para tratamento. As investigações apontam que a dinâmica ocorreria apenas no papel, já que o minério seria originário do próprio estado de Roraima.
Segundo os agentes, o inquérito investiga movimentações de quase R$ 250 milhões que envolveriam garimpeiros e empresários, inclusive um do ramo musical, e o cantor Alexandre Pires. O sambista, que ficou conhecido no país inteiro nos anos 1990 com o grupo Só Pra Contrariar, teria recebido R$ 1 milhão de uma mineradora investigada. Procurada, a equipe do artista disse que divulgaria um posicionamento, mas até a publicação dessa reportagem ainda não havia se manifestado.
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