Internacional

Em meio a tensão entre Venezuela e Guiana, Brasil reforça militares na fronteira norte

Exército envia 60 militares adicionais para reforçar a segurança em Pacaraima, dias antes de referendo que decidirá sobre a anexação da região de Essequibo, território rico em petróleo

Agência O Globo - 30/11/2023
Em meio a tensão entre Venezuela e Guiana, Brasil reforça militares na fronteira norte

O Brasil enviou 60 militares adicionais do Exército para reforçar a segurança em Pacaraima — cidade de Roraima próxima à tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana — em meio ao aumento da tensão envolvendo o referendo marcado para este domingo na Venezuela sobre a anexação da região de Essequibo, na Guiana, território rico em petróleo. Pacaraima é um ponto usual de entrada de venezuelanos que deixam seu país em busca de oportunidades ao Brasil. O Ministério da Defesa brasileiro afirmou que "vem acompanhado a situação" e que "as ações têm sido intensificadas na região da fronteira" com maior presença militar.

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Por um lado, a Guiana, da qual a região de Essequibo faz parte, considera a consulta popular uma ameaça à sua integridade territorial e buscou auxílio internacional, algo que Venezuela como interferência em seus assuntos internos.

Com as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, a Guiana lançou em dezembro de 2022 a primeira rodada de licitações para explorar 11 campos de petrolíferos em águas rasas e outros três em águas profundas e ultraprofundas. Caracas, por sua vez, rejeitou as licitações, classificando-as como "ilegais" por envolverem "áreas marítimas pendentes de delimitação".

A tensão aumentou com movimentações militares da Venezuela na fronteira, levando atores internacionais a entrar em cena: os Estados Unidos ameaçaram impor novas sanções ao governo de Nicolás Maduro, e o Brasil, como país vizinho e parceiro, demonstra grande preocupação com uma escalada no conflito.

Na semana passada, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, viajou a Caracas para tratar do tema com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Apesar de não ter pedido que o referendo não seja realizado, Amorim pediu a Maduro que busque o diálogo e baixe o tom sobre as ameaças de invasão territorial sob o argumento de que um conflito entre os dois países pode criar "uma situação de instabilidade regional".

A equipe de Amorim recebeu vídeos da campanha que preocuparam o Palácio do Planalto por causa do tom muito incisivo pela anexação da Guiana Essequibo. Lula também conversou, por videoconferência, com o presidente da Guiana, Irfaan Ali. Foi um contato classificado como “urgente” e marcado de última hora para tratar da crise.

Ali pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o governo brasileiro dissuadisse Maduro de sua intenção de avançar sobre o território do país. O pedido, somado ao tom da campanha sobre o referendo — que conta com o apoio de amplos setores da oposição venezuelana —, aumentou a preocupação entre as autoridades brasileiras e no Itamaraty.

"Será um voto de união nacional, cada voto será um voto pela paz da Venezuela", disse, na semana passada, o presidente venezuelano.

Nas redes sociais, Maduro também vem fazendo uma campanha com tons nacionalistas sobre a consulta.

Com a escalada, a Guiana levantou na semana passada a possibilidade de estabelecer “bases militares” com apoio estrangeiro em Essequibo e anunciou a visita de funcionários do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Segundo o vice-presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, os contatos com os americanos continuarão com "várias visitas em dezembro e uma representação de alto nível". Em julho, os Estados Unidos também lideraram exercícios militares conjuntos com a Guiana, com a participação de mais de 1,5 mil militares de 20 países.

"Nunca estivemos interessados em bases militares, mas temos de proteger nosso interesse nacional", disse Jagdeo. "Estamos interessados em manter a paz em nosso país e em nossas fronteiras, mas temos trabalhado com nossos aliados para garantir um plano para todas as eventualidades. Todas as opções disponíveis serão aproveitadas."

O Brasil, por sua vez, tem reforçado a defesa pela solução pacífica e negociada e intermedia uma reunião bilateral de Ali com Lula durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que começou nesta quinta-feira em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O temor do Itamaraty é que a situação escape do controle: o governo de Maduro já defendeu publicamente a invasão do território em disputa há mais de 100 anos, quando a Guiana ainda era colônia britânica. Sobre a realização da consulta, no entanto, o ministério diz considerar um assunto interno da Venezuela.

Entenda a disputa

Ambos os países têm uma longa história de disputa territorial por Essequibo, embora, na prática, ele tenha administração autônoma na capital Georgetown. A raiz do problema, contudo, remonta ao século XIX, quando as fronteiras das colônias eram frequentemente estabelecidas por meio de acordos entre potências europeias.

De um lado, a Guiana se atém a um laudo arbitral de Paris de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "com a tarefa de buscar uma solução satisfatória" para a questão, uma vez que o governo venezuelano considerou o laudo arbitral de 1899 "nulo e vazio". No acordo, no entanto, Londres apenas reconhece esse posicionamento de Caracas, mas não respalda sua interpretação de que o laudo arbitral de 1899 foi baseado em uma fraude.

Uma solução nunca foi alcançada entre a Venezuela e a Guiana após a independência do país, e a controvérsia está atualmente nas mãos da Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição sobre o caso, reconhecida por ela própria, é rejeitada pelo Estado venezuelano. O governo Maduro pressiona por negociações diretas com Georgetown, que rejeita a iniciativa. A CIJ, no entanto, foi escolhida para a solução da disputa em 2017 pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que se valeu da prerrogativa estabelecida pelo próprio Acordo de Genebra no caso de as partes não chegarem a um entendimento.