Internacional
Eleição presidencial da Argentina deste domingo vira ‘sim’ ou ‘não’ sobre ultradireitista Milei
Num cenário em que propostas disruptivas do candidato antissistema reduziram o debate político
Um dos primeiros conselhos que o peronista Sergio Massa ouviu de seus estrategistas após o revés sofrido nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso, realizadas para escolher os candidatos da eleição presidencial e legislativa) de agosto foi o de que a única alternativa para se tornar um candidato competitivo na disputa pela Presidência da Argentina era usar a seu favor o apelo midiático de seu principal rival, o candidato da direita radical Javier Milei.
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Com Milei: Democracia virou tema-chave na reta final de disputa eleitoral argentina
Se a campanha do candidato e ministro da Economia do governo Alberto Fernández falhasse em encobrir a crise —com sua taxa de inflação superando 140% ao ano —, a eleição, admitiram naquele momento seus estrategistas, estava perdida.
Num cenário em que propostas disruptivas do candidato antissistema reduziram o debate político objetivo, a estratégia peronista funcionou, e hoje os argentinos irão às urnas, essencialmente, para dizer “sim” ou “não” à candidatura do líder do partido A Liberdade Avança, fundado para lançar sua carreira política em 2021.
Se, no começo do ano, ainda sem candidaturas confirmadas, muitos analistas afirmavam que o peronismo não tinha chances de eleger um novo presidente, o cenário mudou depois das primárias de agosto, quando a agenda eleitoral esteve sob domínio de Milei. Mas, desde então, a dramática crise econômica, social e financeira que assola a Argentina foi escanteada.
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Os temas centrais passaram a ser a personalidade de Milei, suas propostas mais polêmicas, seu estado emocional, seu vínculo com seus cachorros — um deles clonado — e sua irmã, suas alianças internacionais e o risco que, segundo Massa, o candidato da direita radical representa para a Argentina e suas instituições democráticas.
Milei, que tem uma frágil estrutura política e está rodeado de colaboradores com escassa experiência, teve dificuldades em reagir. Massa foi o candidato mais votado no primeiro turno (36,78% dos votos contra 29,99% de Milei), num país com 41% dos habitantes abaixo da linha da pobreza e que deve sofrer retração do PIB de até 2,5% este ano.
— O que Massa precisava para ter chances era que se falasse o mínimo possível sobre inflação, crise econômica em geral e, sobretudo, sua responsabilidade como ministro da Economia. E conseguiu — opina Carlos Fara, presidente da Associação Internacional de Consultores Políticos.
A dúvida de Fara e de outros analistas locais é se o impacto da estratégia peronista conseguirá superar o desejo de mudança dos argentinos. Afinal, como afirmou o próprio Milei no discurso de encerramento de campanha, mais de 50% dos eleitores que participaram do primeiro turno, em 22 de outubro, votaram contra o governo da aliança entre peronistas e kirchneristas, que tem hoje, segundo pesquisas, 80% de rejeição.
— Na reta final da campanha, Milei baixou o tom de suas propostas mais disruptivas e tentou impor um plebiscito sobre o governo e sobre Massa. As urnas dirão se conseguiu. Numa eleição normal e num país normal, Massa não seria competitivo — explica Fara.
Pleito sem igual na região
Para os analistas ouvidos pelo GLOBO, esta é uma eleição que não pode ser comparada a nenhuma outra recente na região. Em nenhum outro pleito pela Presidência um país latino-americano vivia, ao mesmo tempo, uma crise como a argentina, e tinha como um dos candidatos mais fortes um outsider representante da direita radical, como Milei. Sem o ultradireitista, qualquer candidato minimamente razoável, frisa Fara, derrotaria Massa hoje.
Os indicadores argentinos são trágicos, e o clima no país é de profundo desânimo. A inflação é um problema diário e sufocante, e a escassez de dólares — reconhecida publicamente por Massa — está provocando o desabastecimento de produtos importados, de alimentos a insumos médicos.
Pouco depois do primeiro turno, os argentinos passaram quase uma semana sem gasolina nos postos de todo o país, e a situação só se normalizou quando Massa ameaçou suspender as exportações de combustíveis.
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Com preços internos bem abaixo da média internacional, companhias do setor exigiram um reajuste acima do autorizado pelo governo. Em meio à tensão, Massa acusou as empresas de estocarem combustíveis para pressionar o governo, e o conflito durou dias. Houve uma trégua, mas o problema persiste.
— Todos os indicadores econômicos pioraram desde que Massa assumiu o Ministério da Economia, em agosto de 2022. Tirando os ministros de épocas de hiperinflação, ele é, sem dúvida, o pior de todos. É surpreendente que seja competitivo como candidato — opina Juan Negri, professor da Universidade Di Tella.
Para o acadêmico, “esta não é uma eleição normal”.
— Milei é um candidato de baixa qualidade. Se tivesse a trajetória e os respaldos que tiveram Donald Trump ou Jair Bolsonaro, teria uma vitória confortável — acrescenta Negri, que observa no candidato da direita radical carências programáticas, promessas erráticas, uma equipe despreparada e pouco profissional.
Elogios a Thatcher
Fazer elogios públicos à ex-premier britânica Margaret Thatcher, que tem enorme imagem negativa na Argentina desde que o país foi derrotado pelo Reino Unido na Guerra das Malvinas, em 1982, foi, na visão de Di Tella, “de uma burrice sem tamanho”.
— Em geral, segundos turnos se definem em função dos que ficaram de fora. Se essa fosse a lógica, não teríamos dúvidas sobre o triunfo de Milei, mas a campanha de Massa foi bem-sucedida, criando um cenário incerto — diz Negri.
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Está claro para os analistas argentinos que Massa só é competitivo porque seu rival é Milei. Se a aliança Juntos pela Mudança não tivesse praticamente acabado em consequência, justamente, do surgimento do candidato da direita radical, a história seria outra.
Milei vencerá a eleição se a vontade de mudança for superior ao receio que causa em amplos setores da sociedade. Ou, diz Fara, poderá se tornar uma espécie de Jean-Marie Le Pen argentino, um candidato presidencial forte, mas incapaz de superar o medo, tão explorado pelos adversários.
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