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Após furacão Otis, Acapulco sofre com lojas saqueadas e crocodilo à porta de casas destruídas

Fenômeno deixou 46 mortos, 58 desaparecidos e 580 mil desabrigados em cidade turística no México

Agência O Globo - 31/10/2023
Após furacão Otis, Acapulco sofre com lojas saqueadas e crocodilo à porta de casas destruídas
Furacão Idalia - Foto: Reprodução

Um viaduto se tornou o reflexo de uma catástrofe. Esta estrutura na avenida Bulevar de las Naciones é o único ponto onde a rede telefônica chega à zona de Punta Diamante, em Acapulco, México. Dezenas de pessoas ali estendem os braços para buscar sinal, cada um representando uma face da tragédia. Marcos Ávila cruzou meio estado de Guerrero, desde Cuajinicuilapa, para encontrar sua filha, chamada Marixa, de 20 anos, que desapareceu na madrugada de quarta-feira.

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No grupo também está Matilde Ledezma, que chora ao lembrar ter saído de casa com a água pelo pescoço e agora dorme em uma quadra de futebol. E Mônica García, que é diabética e está ficando sem remédios em uma cidade desolada. Aqui, dezenas de braços se erguem, e cada um é uma aresta do desastre deixado pelo furacão.

Acapulco é uma cidade alongada, em cujas esquinas ou bairros todos não escaparam da passagem do furacão Otis. O fenômeno deixou 46 mortos e 58 desaparecidos, de acordo com números divulgados pela governadora de Guerrero, Evelyn Salgado, em coletiva de imprensa nesta terça-feira. Os dados continuam sendo atualizados à medida que o acesso e a comunicação são restabelecidos na localidade.

Além dos estragos causados pelo furacão, há também a resposta lenta e desorganizada do governo, que só começou a distribuir alimentos básicos no sábado, quatro dias após a catástrofe, e também os saques. Não há mais lojas, grandes ou pequenas, em Acapulco. A cidade foi completamente saqueada.

Em Acapulco, agora, falta tudo: a rede elétrica e telefônica está sendo restaurada aos poucos, não há fornecimento de água, nem gasolina, e a ajuda com comida e água potável chega aos poucos. À emergência dos serviços básicos somou-se a insegurança.

Acapulco já era uma das cidades mais perigosas do mundo antes do furacão. À taxa de 50 assassinatos por mês, agora se acrescenta o estado de desastre. Nos dias após o furacão, os feridos que tinham sido atingidos por machados, tiros, facadas retornaram. Nesse cenário, ninguém se atreve a sair de casa. A segurança se tornou a principal preocupação.

Ovos com linguiça e um crocodilo

Mônica García enviou seus dois filhos e seus três cachorros para fora de Acapulco, enquanto ela e o marido ficaram na cidade em meio aos estragos do ciclone. Lar de professores, contadoras e cozinheiras em casinhas de concreto, o bairro onde García vive, Cessat 2, é um exemplo da organização à qual muitos habitantes recorreram para resistir a esses dias, sem ajuda do governo. Os moradores mesmos removeram escombros, retiraram as árvores que bloqueavam as ruas e juntaram o lixo para que quando os militares chegassem, tudo estivesse recolhido e "eles não tivessem tanto trabalho".

Maria de los Ángeles prepara ovos com linguiça para seus vizinhos. Como ferramentas: uma panela, um varal e paletes quebrados para fazer o fogo.

Rosa Marta Torres pede para avisarem sua filha, que é enfermeira em Ciudad Juárez (cerca de 1,7 mil km de Acapulco), que ela e seus netos estão bem. Ela não conseguiu sair para buscar conexão para não deixar as crianças sozinhas, nem para pegar comida. Vinha armazenando água da chuva há dias para poder usar no dia a dia; e a casa está impecável.

Já Fanny conta que o furacão trouxe um novo animal de estimação: um crocodilo que se debatia atrás de sua casa enquanto tentava escapar de uma palmeira caída que o prendeu. Muito perto dele, as vacas de um campo berravam:

— Eu acho que elas estavam chorando, mas o que poderíamos fazer? Não podíamos sair para ajudá-las — diz ela.

Nessa área de Punta Diamante, que faz fronteira com a Lagoa Três Palos, a inundação veio depois do furacão.

— Às 11 horas começou o vento. Às 12h30, os vidros começaram a quebrar e as telhas já voavam. Acalmou-se por volta das 14h30, só havia um vento normal com chuva. Mas às 17 horas, a água começou a subir. Dentro de uns 15 minutos já estava na altura do peito — relata cronologicamente Matilde Ledezma, que mora em Granjas del Marqués. Lá, o nível da água diminuiu com o passar dos dias, mas o lodo ficou.

— Precisamos de vassouras, precisamos de puxadores, precisamos de ajuda, por favor — diz ela desesperada, depois de quatro dias incomunicável e sem conseguir dormir direito. — Aqui não chegaram militares, nada. Só há helicópteros circulando, mas nós realmente não precisamos deles lá em cima, precisamos deles aqui embaixo — afirma.

Uma vida sobrevivendo a furacões

Não é a primeira vez que esses moradores enfrentam uma catástrofe:

— Eu passei pelo Paulina, pelo Ingrid e pelo Manuel. Agora, por este. Espero em Deus que não tenha que passar por mais nenhum — chora Matilde ao listar os diferentes furacões que atingiram Acapulco.

Esses desastres trouxeram água e causaram centenas de mortes, mas nada comparado ao Otis, que o torna o furacão mais forte a atingir o Pacífico mexicano, com categoria cinco e ventos de mais de 250 quilômetros por hora.

Ainda não há um balanço oficial do impacto do furacão. As imagens de satélite do programa Copérnico, da União Europeia, forneceram números antes do governo de Andrés Manuel López Obrador sobre a magnitude da tragédia: 580 mil pessoas desabrigadas; 7 mil hectares destruídos.

As autoridades anunciaram no domingo que haviam distribuído, até então: 20 mil cestas básicas; 200 mil litros de água.

A quantidade distribuída não atende a todos os afetados, o que provoca horas de filas para conseguir um galão de água e um saco com óleo, arroz, feijão, comida para os animais e papel higiênico.

A falta de suprimentos e a insegurança provocaram um êxodo em massa de Acapulco, que era o motor de um dos estados mais pobres do México. Sair pela estrada, já que muitas vias estão danificadas, pode levar mais de seis horas. Mesmo assim, para pegá-la, é preciso ter o carro em funcionamento e reservar gasolina. Desde sábado, a Guarda Nacional começou a proteger os postos de gasolina antes que o roubo de combustível provocasse "uma tragédia maior".

O aeroporto também não está funcionando, porque a torre de controle foi destruída pelos ventos. Apesar disso, as companhias aéreas Volaris, Viva Aerobús e Aeroméxico realizam voos de resgate diários. Eles são gratuitos para toda a população, aceitam animais de estimação e só é necessário uma identificação. Por enquanto, continuam até terça-feira.

O edifício Nautilus, um condomínio de luxo, tinha uma academia com vista para o mar. Construído com chapas e gesso, o furacão o transformou em uma estrutura despedaçada: perdeu todos os vidros e grande parte das paredes dos seus 20 andares. Dentro, apenas Vicky Carrero e seu marido Albert ficaram até sexta-feira. Na linha de frente para a baía, o furacão foi impiedoso. Vicky mostra o buraco na parede de um quarto que dá para o exterior e agradece por estar viva. Eles deixam a casa com a esperança de voltar em breve. Já conversaram com um engenheiro na intenção de consertar o estrago.

Dentro de Acapulco, é difícil dimensionar a catástrofe: 80% dos hotéis foram afetados, a maioria sem seguro, em uma cidade que depende do turismo. Bairros inteiros estão inundados por água e lodo. A mesma pergunta se repete de um lado a outro da baía: como reconstruir uma cidade devastada?