Internacional

Venezuela: ‘Não podemos abrir totalmente a champanhe’, diz Celso Amorim após acordo sobre eleições

Brasil teve participação direta nas negociações; EUA suspenderam sanções

Agência O Globo - 19/10/2023
Venezuela: ‘Não podemos abrir totalmente a champanhe’, diz Celso Amorim após acordo sobre eleições
Celso Amorim - Foto: Wilson Dias/arquivo Agência Brasil

Até o fim do ano passado alijado de qualquer processo de negociação entre governo e oposição da Venezuela, o Brasil teve participação direta na costura de um acordo, anunciado na última terça-feira, para a realização de eleições transparentes e com a presença de observadores naquele país, em 2024. Desde que assumiu o Palácio do Planalto, em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se empenhou pessoalmente nessa questão.

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Com o acordo, considerado histórico, os Estados Unidos suspenderam, temporariamente, as sanções econômicas que aplicavam contra a Venezuela. Em contrapartida, Maduro autorizou a libertaram de presos políticos ligados à oposição. Esse arranjo é resultado de um processo negociador envolvendo o Brasil e outros atores, que começou meses antes do entendimento formal entre governo e oposição venezuelanos.

Envolvido diretamente nas discussões, o assessor para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, disse ao GLOBO que ainda é cedo para “abrir o champanhe”, mas o clima é positivo.

— Não podemos ver só obstáculos. Temos que apostar no resultado que vem depois. Não podemos abrir totalmente a champanhe. Só quando todas as sanções forem retiraedas e as eleições na Venezuela realizadas. O clima é muito positivo — disse Celso Amorim ao GLOBO.

Acordo firmado em Barbados

O acordo entre representantes do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, e seus opositores foi firmado em Barbados, sob a mediação da Noruega, o patrocínio do México e a presença de Estados Unidos, Colômbia, Rússia e Países Baixos. O Brasil foi convidado a participar da cerimônia pela sua contribuição nesse processo, embora o grupo de países para promover um entendimento tenha sido criado em 2019.

— Estamos muito felizes com o que está acontecendo. O Brasil, embora não tenha sido parte da negociação mediada pela Noruega, participou intensamente das discussões entre governo e oposição venezuelanos — disse Amorim.

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Ele foi enviado a Barbados por Lula, para testemunhar a assinatura do acordo. Mas o assessor e ex-chanceler do presidente nos dois primeiros mandatos esteve em Caracas, no início do ano, onde se reuniu com Maduro e representantes da oposição.

Lula atuou diretamente em conversas com Maduro e líderes mundiais, como o americano Joe Biden e o francês Emmanuel Macron. Sempre que havia encontros com autoridades dos EUA, a Venezuela era um tema obrigatório, juntamente com um apelo pelo fim das sanções econômicas.

Em julho, quando estava em Bruxelas, na Bélgica, paralelamente à 3ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia, Lula participou de uma reunião com a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, e um dos líderes da oposição no país, o advogado Gerardo Blyde. Também participaram Macron e os presidentes da Colômbia e da Argentina, Gustavo Petro e Alberto Fernández.

— Estamos muito contentes e esperançosos com essa reconciliação, que é importante para o Brasil, para a Venezuela e para as relações entre a América do Sul e os EUA. Há desafios a serem enfrentados, mas estamos animados. Isso mostra, mais uma vez, que por mais difícil que pareça, temos que apostar na negociação e isso vale para muitas situações — afirmou Amorim.

Oposição

Perguntado sobre algumas pendências que restaram, como o fato de um dos nomes mais fortes da oposição, Maria Corina Machado, ter sido declarada inelegível por 15 anos, Amorim disse que essa é uma questão interna e não iria comentar. Um interlocutor da área diplomática disse que o mais importante, neste momento, é a garantia de eleições limpas, justas, transparentes e que possam ser construídas até o ano que vem.

Segundo um interlocutor do Palácio do Planalto, o Brasil dá grande importância à normalização política na Venezuela, por considerar que isso ajudará na estabilidade na região. Ao mesmo tempo, disse, Lula fortalece seu papel de mediador e facilitador.

— É mais um passo importante na direção da normalização do diálogo político na Venezuela, e é também um exemplo eloquente do acerto da posição brasileira de privilegiar a busca pelo entendimento entre as forças políticas e sociais venezuelanas, a quem cabe definir o futuro do país — disse o chanceler Mauro Vieira. Segundo ele, as críticas a essa estratégia que, segundo ele, privilegia o diálogo, no Brasil, mostram-se equivocadas, em um momento em que os EUA, entre outros atores, começam a rever posições e a levantar sanções à Venezuela.

Além da visita a Caracas, em março deste ano, o assessor de Lula foi a Bogotá, em abril, para uma reunião convocada pelo presidente da Colômbia, com a participação de 15 países. Também houve bilaterais com atores que acompanham o tema.

As eleições na Venezuela foram tema de conversa telefônica entre Lula e Maduro, na última segunda-feira. Além das eleições, os dois mandatários discutiram a dívida dos vizinhos com o Brasil, as sanções econômicas aplicadas pelos EUA aos venezuelanos e o fornecimento de energia elétrica.

Primárias no domingo

Maduro foi reeleito em 2018, mas denúncias de fraudes levaram parte da comunidade internacional a considerar seu governo ilegítimo. Em janeiro de 2019, logo após tomar posse, o ex-presidente Jair Bolsonaro se uniu aos EUA e outros países e declarou reconhecer o então líder da oposição naquele país, Juan Guaidó, como presidente da Venezuela.

No próximo domingo, a oposição deve realizar uma primária para escolher seu candidato à eleição.

Outros possíveis candidatos são Henrique Capriles e Juan Guaidó. Espera-se que Maduro concorra à reeleição, mas ele ainda não formalizou a candidatura.

Assim que assumiu o Palácio do Planalto, no início deste ano, um dos primeiros atos de Lula foi se reaproximar de Maduro. O presidente brasileiro causou polêmica em pelo menos dois momentos, ao se referir ao regime do venezuelano: disse que a questão dos direitos humanos era uma questão de narrativa e que o conceito de democracia era relativo.