Internacional
Por dentro do comício de Milei: jovens desiludidos priorizam pauta econômica a valores, mostra pesquisa
Crise do peronismo e retomada de ideais conservadores como reação ao avanço progressista mobilizam "núcleo duro" de apoio ao candidato de extrema direita à Presidência da Argentina
Em último ato de campanha em Buenos Aires, o candidato de extrema direita à Presidência argentina Javier Milei congregou milhares de apoiadores na noite de quarta-feira com bandeiras de liberalismo econômico, críticas a pautas identitárias e contestação do sistema eleitoral. No entanto, expôs divergências centrais para a estratégia eleitoral ante o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem é comparado. Enquanto a defesa da dolarização da economia e o combate à inflação são peças-chave para Milei e seu eleitorado, o combate ao identitarismo, principal mote do ex-mandatário brasileiro na campanha, fica em segundo plano. É o que mostra pesquisa do Monitor de Debate Político da Universidade de São Paulo obtida com exclusividade pelo GLOBO.
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— Diferentemente da campanha eleitoral de Bolsonaro, a campanha de Javier Milei foi menos centrada nas questões das guerras culturais e mais centrada nas questões econômicas. A espinha dorsal da campanha é a dolarização da economia e o combate à inflação. Apesar disso, aos poucos, ele foi incluindo na agenda temas morais como o endurecimento no combate ao crime, a oposição à ideologia de gênero e ao marxismo cultural — explica o professor Pablo Ortellado, coordenador do Monitor de Debate Político da Universidade de São Paulo.
Nesta quarta-feira, o líder de extrema direita reuniu cerca de 12 mil pessoas no Movistar Arena, em Buenos Aires, para o comício de encerramento da campanha. No evento, discursos do líder da coalizão da direita La Liberdad Avanza em defesa do liberalismo econômico e de guerras culturais foram apoiados por um público predominantemente masculino e jovem — 70% dos presentes tinham até 35 anos. Esse representa o "núcleo duro" dos apoiadores de Milei, de acordo com a pesquisa.
Na avaliação de o professor da USP Pablo Ortellado, coordenador do monitor, a participação expressiva de jovens expõe a realidade de um público que praticamente desconhece uma gestão da Argentina desvinculada do peronismo — ideologia política e economia vinculada à esquerda argentina, criada pelo ex-presidente Juán Peron em meados do século passado, e prevalente no país há 20 anos. No período, o país foi governado por Néstor e Cristina Kirchner e pelo atual presidente, Alberto Fernández, todos ligado ao kirchnerismo, um de seus braços contemporâneos. Somente nos quatro anos de Maurício Macri que o peronismo não esteve no poder.
— Esses jovens representam a crise do peronismo. São pessoas que praticamente sempre viveram sob essa ideologia, e buscam algo novo. Por outro lado, a ascensão do progressismo enquanto status quo está muito alta, o que leva a uma espécie de "backlash" do conservadorismo, quase como rebeldia diante dos avanços progressistas — explica.
Entre esse grupo, pautas identitárias como oposição à ideologia de gênero e ao marxismo cultural, além de combate ao crime e revisão de legislações progressistas de legalização do aborto e de drogas, passam a ganhar espaço como temas secundários à liberalização da economia argentina. Esse movimento, para Ortellado, representa um antagonismo a valores defendidos pelas elites culturais, como ONGs de direitos humanos, professores e jornalistas.
Esse pensamento carrega similaridades ao vivido no Brasil, com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Levantamento do pesquisador publicado no GLOBO em julho passado sobre o eleitorado do então candidato à reeleição em São Paulo mostra que o endosso a comentários contra feminismo, movimento LGBTQIA+ e direitos humanos unia maioria expressiva do eleitorado. No Brasil, por outro lado, as discussões envolvendo uma eventual liberalização da economia vêm a posteriori, com menor destaque dentro da campanha.
O principal paralelo com o cenário brasileiro, na avaliação do pesquisador, pode ser com o Movimento Brasil Livre (MBL), composto majoritariamente por jovens conservadores cuja principal bandeira era a liberalização e redução da influência do Estado na economia.
— É uma militância de meninos muito jovens, bem parecido mais parecido com o MBL, como se o movimento tivesse conseguido se massificar e ocupar o lugar do bolsonarismo. Tem muito mais de uma cultura de memes da internet, como a alt right americana, que essencialmente de apoiadores do Bolsonaro, que são um grupo mais velho, entre 45 e 54 anos principalmente — afirma.
A pesquisa foi feita pelo Monitor do Debate Político da USP com 180 apoiadores de Milei presentes no comício desta quarta-feira. Eles responderam questionário com perguntas sobre posicionamento no espectro político e dando opinião sobre temas ligados a pautas identitárias e de costumes.
Antiestablishment
A desconfiança dos apoiadores de Javier Milei com a lisura das eleições no país é o principal ponto de encontro com Bolsonaro. Sete em cada dez dos presentes no último comício do candidato não confiam no processo eleitoral argentino, movimento que, para o pesquisador da USP, replica discursos do ex-presidente brasileiro e do ex-presidente americano, Donald Trump, que ainda puseram em dúvida o resultado dos pleitos nos respectivos países.
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O comportamento do eleitorado, segundo a pesquisa, ocorreu a reboque de contestações de Milei sobre o resultado do Paso, as prévias da eleição argentina, em agosto passado. Na ocasião, o político, que ficou em primeiro lugar no pleito com 30% dos votos, alegou fraude no processo e que tinha tido 5 pontos percentuais a mais que não teriam sido contabilizados. Movimento similar foi feito por Bolsonaro em 2018, quando disse ter havido irregularidade e que teria ganhado no primeiro turno daquele ano, e por Trump, que em 2020 questionou o resultado.
Apesar da diferença nas prioridades, Nessa frente, Ortellado situa os dois líderes como populistas de direita, por apresentarem um discurso anti-elite. No entanto, Milei consegue se aproveitar do populismo como crítica:
— Ele (Milei) é a própria definição do populismo pela ciência política, pelos ataques à classe política e às elites culturais. Porém, ele usa o sentido econômico do populismo (de adoção de medidas assistencialistas e destinadas às camadas mais pobres para angariar capital político) para atacar o peronismo.
Eleitorado diferente
Entre as principais dissonâncias entre o comportamento de Milei e Bolsonaro está a composição do eleitorado. O retrato dos apoiadores ferrenhos do líder argentino, de homens jovens sem religião, não encontra eco na composição do "núcleo duro" do bolsonarismo. Enquanto os jovens são as figuras à frente de manifestações e atos no país vizinho, no Brasil, a extrema direita congrega principalmente adultos entre 45 e 54 anos, faixa em que o formato de uso das redes sociais é diferente do observado na Argentina, com menos uso de memes enquanto ferramenta de coalizão, segundo análise de Ortellado.
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Por outro lado, um forte traço da política brasileira e intrinsecamente associado com movimentos de extrema direita, a religião, não comparece como elemento central entre apoiadores de Milei — a maior parcela dos presentes, 41%, não se identifica com nenhuma religião, enquanto 33% se dizem católicos. No Brasil, ao contrário, a ascensão dos neopentecostais e pentecostais na direita faz com que a maioria dos evangélicos se identifiquem com o Bolsonaro, puxado pelas críticas ao identitarismo.
— A Argentina não tem um histórico de religião tendo um papel na política. Apesar de ter um país predominantemente católico, o mileísmo não é associado a uma religião, como vemos o bolsonarismo no Brasil. Apesar disso, Milei vem criando uma tensão com o Papa Francisco, e há apoiadores que pedem pelo rompimento de laços com o Vaticano, caso seja eleito — explica.
Há ainda uma quebra inédita de associação do eleitorado argentino por classe social. Historicamente, o voto das classes mais baixas é no peronismo, enquanto outras correntes pegam o eleitorado de classe média e classe alta — movimento percebido no Brasil com Bolsonaro, cujo principal eleitorado tem entre 2 e 5 salários mínimos. Milei, porém, tem um apelo transversal na sociedade argentina, de eleitores ricos a pobres, observado pela pesquisa, que mostra 40% dos apoiadores mais ferrenhos com renda familiar de até R$ 4 mil.
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