Internacional
Ucrânia diz confiar em apoio dos EUA após Congresso aprovar Orçamento temporário sem previsão de ajuda ao país
Ala radical do Partido Republicano ligada à Trump pede destituição do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, após negociação bipartidária para evitar paralização do governo
O governo da Ucrânia declarou neste domingo estar confiante na manutenção do apoio americano aos seus esforços contra a invasão russa, horas após o Congresso dos EUA aprovar uma medida temporária que evitou uma paralisação das atividades do governo — um “shutdown”, na sigla em inglês — sem incluir destinação orçamentária para a ajuda ao país. Depois de sancionar a lei pouco antes do prazo limite de meia-noite de sábado, o presidente americano, Joe Biden, criticou a resistência de republicanos a cumprir o que chamou de “compromisso com o povo da Ucrânia".
"As maiorias bipartidárias na Câmara e no Senado votaram esta noite para manter o governo aberto, evitando uma crise desnecessária que teria infligido uma dor desnecessária a milhões de americanos trabalhadores", afirmou Biden em um comunicado, onde também criticou os republicanos por pressionarem pela exclusão da ajuda militar à Ucrânia. "Espero plenamente que o presidente [da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy] mantenha seu compromisso com o povo da Ucrânia e garanta a aprovação do apoio necessário para ajudar a Ucrânia neste momento crítico", acrescentou.
A medida aprovada por 335 votos a 91, após McCarthy mudar de posição e decidir negociar com os democratas na Câmara, é paliativa e permite ao governo funcionar por mais 45 dias, quando um acordo definitivo para o Orçamento do próximo ano fiscal terá que ser fechado. No Senado, controlado pelos democratas, o mesmo texto foi aprovado por 88 a 9. Os senadores democratas decidiram apoiar a medida, mesmo sem a inclusão da a ajuda à Ucrânia.
A discórdia em torno do tema vai além das negociações no Congresso. A ala republicana mais radical, ligada ao ex-presidente e pré-candidato à presidência, Donald Trump, tem usado o comprometimento da Casa Branca com a Ucrânia para atacar o governo Biden, com argumentos nacionalistas que questionam o investimento em um país distante, enquanto os EUA enfrentam problemas na fronteira, por exemplo, com alto fluxo de imigrantes.
Os congressistas devem discutir agora um projeto de lei separado sobre os 24 bilhões de dólares [R$ 120 bilhões] em ajuda militar à Ucrânia que Biden desejava incluir no orçamento. Uma votação sobre a questão pode acontecer na próxima semana, segundo a imprensa americana.
'Confiança'
Neste domingo, o chefe de gabinete e braço-direito do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Andriy Yermak, declarou em uma publicação no Telegram que “todos os principais aliados da Ucrânia estão determinados em apoiar nosso país até sua vitória nesta guerra”. Yermak completou ainda que o governo teve reuniões com republicanos e democratas e que “a delegação ucraniana voltou dos EUA com confiança clara de que não há mudanças no apoio”, em referência à passagem de Zelensky e sua comitiva por Washington e Nova York, durante a Assembleia Geral da ONU, no mês passado.
Também neste domingo, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores ucraniano disse que Kiev “trabalha ativamente com seus parceiros americanos para garantir que a nova decisão de Orçamento dos EUA, que será desenvolvida nos próximos 45 dias, inclua novos recursos para a Ucrânia”.
Consciente do embate político em Washington, Zelensky, esteve no Congresso americano para tentar convencer Washington a ajudar seu país a "atravessar a linha de chegada" diante da Rússia. Os congressistas leais a Trump já levaram os Estados Unidos à beira de um abismo financeiro, há quatro meses, quando quase impediram um acordo para elevar o teto da dívida americana.
Durante a passagem de Zelensky por Washinton, McCarthy adotou um tom duro ao questionar a prestação de contas dos recursos destinados a Kiev, em um aceno à ala mais extremista do partido.
— Onde está a prestação de contas pelo dinheiro que já gastamos? — disse McCarthy a repórteres na terça. — Qual é o plano para a vitória? Acho que é isso que o público americano quer saber.
Eleito às custas de intensas negociações com os trumpistas, McCarthy caminha em uma corda bamba para se manter no cargo e, ao mesmo tempo, lidar com as diferenças dentro do próprio partido. A negociação bipartidária para aprovar o Orçamento temporário o deixou ainda mais fragilizado politicamente.
"Se tiver que arriscar meu cargo para defender o povo americano, vou fazê-lo", afirmou o presidente da Câmara no sábado, e acrescentou: "se alguém quer me demitir porque quero ser o adulto na sala, que tente".
Neste domingo, a ala mais radical do Partido Republicano anunciou que vai pedir a destituição de McCarthy da presidência da Câmara.
Pior cenário
Os EUA já passaram por 21 interrupções no financiamento do governo desde 1976, com diferentes graus de comprometimento nas funções do Estado. A Casa Branca teme o pior cenário com a repetição de 2018, a mais longa e mais recente paralisação, que afastou cerca de 800 mil dos 2,1 milhões de servidores federais por 34 dias.
O que é o ‘apagão’ nas atividades do governo?
O ‘apagão’ do governo americano equivale à paralisação de várias operações governamentais até o Congresso agir para restaurar o financiamento. Para centenas de milhares de servidores federais, isso significa ser dispensado das funções durante o ‘apagão’ ou continuar a trabalhar sem pagamento.
Para a população, normalmente se reverte em lidar com interrupções de diversos serviços do governo e enfrentar uma série de percalços e interrupções no dia a dia.
Recentemente, a Casa Branca apontou vários programas do governo que enfrentarão problemas mais sérios em caso de paralisação, especialmente a assistência nutricional e de imunização oferecida pelo Programa de Nutrição Suplementar Espacial para Mulheres, Bebês e Crianças (WIC). Se houver interrupção no financiamento, o governo diz que 7 milhões de mulheres e crianças poderiam perder acesso fundamental a alimentos, e que o fundo de contingência para manter o serviço ativo poderia acabar em dias.
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Fechamento de parques nacionais e museus frequentemente são os impactos mais visíveis para o público. Em alguns casos, podem produzir perdas significativas em comunidades que dependem do turismo.
Até muitos trabalhadores do setor privado são forçados a se adaptar. No ‘apagão’ mais recente, as inspeções na indústria química, em usinas de energia e de tratamento de água tiveram que parar porque a Agência de Proteção Ambiental afastou milhares de funcionários. A FDA, agência que regula alimentos e medicamentos, também interrompeu inspeções de segurança de rotina em pescados, frutas e vegetais, aumentando a pressão para os restaurantes e mercados.
Quais serviços continuam ativos?
Muitas agências onde os funcionários exercem funções cruciais não suspendem as operações. Entre eles estão um grande número de promotores federais e investigadores, servidores dos Correios e servidores da agência de Segurança de Transportes. A maioria destes funcionários vai continuar a trabalhar sem pagamento até o retorno do financiamento. Há casos raros de alguns que ocupam cargos com folha de pagamento não vinculada ao orçamento anual.
Benefícios como o Medicare e a Seguridade Social também não são interrompidos porque são autorizados pelo Congresso por leis específicas, que não precisam ser renovadas todo ano. Assistência médica a militares veteranos também não é afetada.
Mesmo nesses níveis em que os servidores federais continuam ativos, o planejamento e as operações que apoiam suas atividades podem ser suspensos, tornando o trabalho mais pesado. Do mesmo modo, apesar dos operadores de tráfego aéreo continuarem a trabalhar, o treinamento para novos profissionais é paralisado, impactando a escassez de mão de obra.
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