Internacional
'Irmã Suprema?': livro tenta preencher lacunas sobre misteriosa Kim Yo-jong, apontada como sucessora na Coreia do Norte
'The Sister', de Sung-yoon Lee, traz relato da trajetória norte-coreana nas últimas sete décadas, mas não traz novas revelações sobre a vida privada da elite em Pyongyang
“Espero que Pyongyang e Seul fiquem mais próximas nos corações de nossos povos, e sigam adiante rumo ao futuro da unificação próspera”. A mensagem escrita no livro de honra dos convidados dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, em 2018, foi lida como um sinal de esperança de que o apaziguamento na Península Coreana poderia, enfim, começar a deixar o plano das ideias.
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Ainda mais depois de saber quem havia escrito o texto: Kim Yo-jong, a irmã de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte. Naquela Olimpíada, que tentava servir como um passo diplomático importante, talvez recuperando uma oportunidade perdida nos Jogos de Seul, em 1988, Yo-jong foi protagonista. Ela centralizou atenções, recebeu elogios por sua apontada elegância, e esnobou o então o vice-presidente dos EUA, Mike Pence.
Cinco anos depois, a paz é uma ilusão que poucos ostentam abertamente em Seul, em governos ocidentais ou em centros de estudo mundo afora. Mais do que isso, Kim Yo-jong deixou de ser apenas um rosto sorridente para se tornar a voz mais visceral do regime, e que, seguindo uma tradição familiar, tem a vida cercada por mistério.
Em livro lançado em junho, “The Sister: The extraordinary story of Kim Yo Jong, the most powerful woman in North Korea” (“A Irmã: a extraordinária história de Kim Yo-jong, a mulher mais poderosa da Coreia do Norte”, sem edição no Brasil), Sung-yoon Lee, pesquisador do Centro Wilson, e que foi conselheiro do governo dos EUA no passado, tenta preencher algumas das muitas lacunas na história daquela que ele chama de “Irmã Suprema”.
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A obra, escrita em uma linguagem acessível, traz uma narrativa densa sobre a ascensão dos Kim, desde os tempos da guerrilha contra a ocupação japonesa Península Coreana (1910-1945), passando pela Guerra da Coreia e pela consolidação no poder.
Para leitores que não conhecem muitos detalhes sobre o regime, além dos testes nucleares, lançamentos de foguetes e relatos bizarros (quase sempre falsos), pode ser uma excelente porta de entrada — Sung-yoon Lee conta episódios como a morte de Kim Jong-il, em 2011, que marcou a chegada de um jovem Kim Jong-un ao poder. Também explica a dança que Kim Il-sung conduziu com Pequim e Moscou, durante a Guerra Fria, para obter vantagens à sua economia.
Mas para quem aguardava detalhes inéditos sobre a irmã mais nova de Kim Jong-un, a obra pode ser um pouco frustrante. Não há, por exemplo, histórias como as de Kenji Fujimoto, chef pessoal de Kim Jong-il entre 1988 e 2001. Depois de escapar do país, em 2001, escreveu alguns livros e deu muitas entrevistas sobre os hábitos do “Querido Líder”, como seu amor por conhaques franceses caros, por pratos requintados, pelas festas que poderiam durar dias e por seu caráter, digamos, mulherengo.
Tampouco há uma investigação extensa, como a feita pela ex-correspondente do Washington Post em Seul, Anna Fifield (que conversou com O GLOBO em 2019) no livro “The Great Sucessor” (“O Grande Sucessor”, sem edição no Brasil), que conta a história de Kim Jong-un, se debruçando sobre a formação do atual líder norte-coreano na Suíça. Yo-jong também estudou no país europeu, usando o nome de Pak Mi-hyang, mas há poucas informações sobre seu tempo no exterior.
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Sung-yoon Lee prefere seguir por outro caminho. Ele centra atenções na construção pública de Kim Yo-jong como a segunda dentro do poder local. Desde suas primeiras aparições, quando se achava se tratar apenas de uma consorte ou assistente de Kim Jong-un, até as primeiras menções ao seu nome na imprensa estatal, na década passada.
Um processo que chegaria ao ápice em 2018, quando Yo-jong foi enviada para os Jogos Olímpicos de Inverno, se tornando a primeira integrante da família Kim a visitar a Coreia do Sul desde a divisão da Península.
Ela causou frisson na sociedade sul-coreana, por causa dos sorrisos e até da maquiagem considerada “correta”. Na abertura dos Jogos, exigiu ficar uma fileira acima de Mike Pence. Para Sung-yoon, uma forma de transparecer superioridade em relação aos americanos.
A visita serviu para entregar a Moon Jae-in um convite para ir a Pyongyang — o líder sul-coreano de fato cruzou a fronteira, mas a paz não se concretizou. Nem os encontros com Donald Trump, em 2018 e 2019, deram resultado, com exceção de uma notória troca de cartas entre o presidente americano e o líder norte-coreano.
Além de enviada ao exterior, Yo-jong é figura central na máquina de propaganda do regime, servindo como chefe de fato do Departamento de Propaganda e Agitação, e que sempre estampa páginas de jornais locais e estrangeiros com sua linguagem explosiva.
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Em 2020, dois anos depois de sua viagem ao Sul, ameaçou destruir um escritório de contato intercoreano em Kaesong, na fronteira. Ela cumpriu a promessa, e chegou a ser processada na Coreia do Sul. Nessa época, já despontava como uma eventual sucessora de Kim Jong-un, que enfrentava problemas recorrentes de saúde.
Ainda na linha das palavras pouco diplomáticas, em novembro do ano passado, chamou o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, de “idiota que continua a criar uma situação perigosa”, depois da ameaça de novas sanções. Meses antes, em agosto, o mandou calar a boca.
“Teria sido mais favorável à sua imagem calar a boca, ao invés de falar besteiras como se não tivesse nada melhor para dizer”, afirmou, de acordo com a agência KCNA.
Em abril, após uma reunião entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e Yoon Suk-yeol, na qual os americanos reiteraram que a Coreia do Sul integra o “guarda-chuva nuclear” de Washington, Yo-jong afirmou essa era uma ameaça à paz regional, e que Biden era um “homem velho sem futuro”.
Ao final, “The Sister” não responde aquela que é a maior questão hoje na Coreia do Norte: seria Kim Yo-jong a “Grande Sucessora”? Em 2021, especialistas chegaram a dizer que ela havia sido rebaixada em suas funções, mas um ano depois, em agosto, ela daria seu primeiro discurso na TV estatal.
E em fevereiro, uma nova personagem surgiu na história: Kim Ju-ae, filha de Kim Jong-un, que passou a acompanhá-lo em eventos oficiais aos olhos da imprensa estatal, dos norte-coreanos e do mundo. Será ela a primeira mulher a comandar a Coreia do Norte?
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