Internacional
América Latina vira peça importante da Nova Rota da Seda
Na região, 21 países já aderiram à iniciativa, movidos pela necessidade de financiamento para reduzir seus graves gargalos em infraestrutura, que totalizam US$ 180 bilhões por ano, segundo o Banco Mundial
Quando o presidente Xi Jinping lançou a nova rota da seda em 2013, havia muitas dúvidas sobre a iniciativa, mas o trajeto estava subentendido. A ideia era recriar o antigo caminho comercial entre Oriente e Ocidente para facilitar a conexão entre as economias mais dinâmicas do século XXI, no Sudeste da Ásia, e o maior mercado, a Europa. Por motivos óbvios, não havia qualquer menção à América Latina.
Aos poucos, porém, a iniciativa chinesa ganhou uma dimensão geopolítica sem fronteiras, e hoje 21 nações latino-americanas estão na lista de países da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), o nome oficial do projeto. A inclusão de um continente que não estava no plano original não foi fruto apenas da ambição chinesa, mas da necessidade dos países da região de financiamento para reduzir seus graves gargalos em infraestrutura.
A entrada da América Latina no mapa da nova rota da seda foi fruto de uma fusão de interesses mútuos, diz Jorge Heine, que chegou a Pequim para servir como embaixador do Chile em 2014, poucos meses após o lançamento da iniciativa. Segundo o Banco Mundial, o déficit de infraestrutura na América Latina é de US$ 180 bilhões por ano. Heine conta que no primeiro Fórum de Cooperação da ICR, em 2017, embaixadores da região na China em peso fizeram lobby para entrar no projeto, incluindo o do Brasil.
— A iniciativa evoluiu de um plano para conectar Ásia e Europa para algo mais ambicioso. Virou um projeto de desenvolvimento para o Sul Global com uma atitude diferente. A ocidental defende que o desenvolvimento ocorre quando os países têm um ambiente de negócios e investimentos em ordem. A abordagem da China é outra: para se desenvolver, um país precisa de conectividade e infraestrutura — diz Heine.
Disputa sino-americana
De inexistente no roteiro original da ICR, a América Latina passou a ganhar cada vez mais peso na estratégia chinesa frente à competição com o Ocidente, em meio ao esforço diplomático de Pequim para apresentar-se como líder positivo do mundo em desenvolvimento. A nova rota da seda tornou-se uma plataforma para fortalecer as relações com os países do continente “em uma nova era caracterizada por igualdade, benefício mútuo para os povos e perspectivas de cooperação na amizade no Pacífico”, disse o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin. A América Latina, portanto, não é só comércio e investimento, mas uma forma de ganhar espaço na intensa disputa com os EUA no Pacífico.
Dos 13 países da América do Sul, oito têm na China seu maior parceiro comercial. Desses, cinco aderiram à nova rota da seda. O mais recente foi a Argentina, que assinou sua adesão no ano passado, durante visita do presidente Alberto Fernández a Pequim. Na ocasião, Fernández disse que a entrada do país na nova rota da seda significava um volume de US$ 23 bilhões em investimentos chineses na Argentina.
Mas o valor não foi confirmado pela China e, segundo a imprensa argentina, mais da metade desse montante correspondia a projetos antigos. Dentre eles, muitos enfrentaram dificuldades políticas e problemas de planejamento, diz o pesquisador argentino-brasileiro Santiago Bustelo, doutor em política internacional pela Universidade Fudan, de Xangai. Segundo ele, não é possível fazer um diagnóstico único sobre os financiamentos chineses no país, é preciso analisar cada caso. Alguns projetos foram bem sucedidos, como o maior parque solar da América Latina, na província de Jujuy. Outros enfrentaram problemas e continuam aguardando novos financiamentos, como as duas represas na Patagônia,
— Há uma lista muito longa de projetos e a maioria não recebe financiamento. A China também já não está mais tão interessada, o Estado argentino está quebrado e o horizonte político no país é incerto — diz Bustelo.
Brasil resiste a aderir
Apesar da constante insistência do governo chinês, o Brasil resistiu até agora à pressão para aderir à nova rota da seda. A expectativa de que isso aconteceria cresceu no início do ano, quando o presidente Lula visitou a China, mas no fim das contas a decisão foi continuar de fora. Segundo fontes diplomáticas, não fazia sentido aderir a uma iniciativa lançada pela China sem coordenação bilateral, ainda mais que os investimentos do país continuam fluindo para o Brasil mesmo sem a adesão. A entrada da Argentina no grupo, em 2022, levou esperaça aos chineses da adesão brasileira, ainda mais aós a eleção de Luiz Iácio Lula da Silva.
Jorge Heine, atualmente professor da Escola de Estudos Globais da Universidade de Boston, entende que há argumentos para sustentar a decisão brasileira de ficar fora, dado o tamanho de sua economia. Mas lembra que nem todos os países da América Latina estão na mesma situação. Grandes projetos de infraestrutura na região não seriam possíveis sem o capital chinês. Um exemplo é o megaporto de Chancay, no Peru, o projeto mais ambicioso da nova rota da seda na América Latina, orçado em US$ 3,6 bilhões. O sócio majoritário é a gigante estatal Cosco, a maior empresa de frete marítimo da China, que promete fazer do novo terminal a principal porta de ligação do continente com a Ásia.
Defensor da doutrina de um “não alinhamento ativo” para a América Latina, Heine argumenta que no contexto da competição entre China e EUA é preciso examinar caso a caso e tomar decisões que sirvam aos interesses dos países, sem tomar um lado da crescente disputa política geopolítica. Em relação à nova rota da seda, aderir ao projeto não significa alinhar-se a Pequim, diz o diplomata.
— Há um bom argumento em favor da adesão dos países da América Latina à iniciativa. Afinal, os EUA não estão investindo em projetos de infraestrutura ao redor do mundo, a China, sim. A América Latina investe apenas 2,5% do seu PIB em infraestrutura. A única região que investe menos é a África Subsaariana. Há um grande déficit e é do interesse dos países latino-americanos tentar obter mais investimentos.
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