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Tortura de doméstica com urina, fezes e abuso sexual expõe negligência de Indonésia em proteger trabalhadores

Siti Khotimah, de 24 anos, acusa seus patrões e mais seis empregados de a terem espancado, torturado e acorrentado; jovem também afirma que foi abusada sexualmente pelo patrão

Agência O Globo - 17/08/2023
Tortura de doméstica com urina, fezes e abuso sexual expõe negligência de Indonésia em proteger trabalhadores

Siti Khotimah foi espancada, forçada a comer fezes de animais e trancada em uma jaula para cães, em um caso que evidencia o fracasso do governo indonésio em proteger os trabalhadores domésticos.

A mulher de 24 anos mudou-se de Java Central para a capital Jacarta no ano passado, quando encontrou um emprego como doméstica para ajudar os seus pais, que estavam muito endividados. Após meses de tortura, a jovem passou a mancar, e suas pernas têm cicatrizes das queimaduras.

— Minha cabeça dói toda vez que penso pelo que passei — diz soluçando.

O caso de Khotimah não é único na Indonésia, onde a ausência de uma lei para proteger os trabalhadores domésticos deixa 4 milhões de pessoas, em sua maioria mulheres, expostas a abusos.

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O seu patrão, um homem rico de 70 anos, foi condenado no mês passado a quatro anos de prisão. A sua mulher, sua filha e seis outros empregados receberam penas de três anos e meio.

Khotimah contou à AFP que também foi violentada, mas que, no início, não conseguia falar sobre o assunto. Mais tarde, denunciou o fato à polícia, que lhe recomendou apresentar uma queixa separada por abuso sexual.

— Estou muito decepcionada. A sentença é muito leve comparada ao que me aconteceu. Eles deviam ter sentido o que eu senti — protestou a jovem.

Os abusos começaram semanas depois de sua chegada a Jacarta, em abril de 2022, quando uma outra trabalhadora a acusou de roubo. Os abusos continuaram até dezembro, assim como as acusações de roubo, que ela nega.

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Khotimah lembra que os patrões a obrigavam a beber urina e a comer as fezes do cachorro da casa.

— Fui espancada por várias pessoas, e meu patrão jogou água fervendo em mim. Depois, me acorrentaram — lembra.

Além disso, durante oito meses de trabalho, não recebeu qualquer salário além de 1,5 milhão de rupias (US$ 99) antes de regressar à sua casa em Java Central.

— Tinha medo de que o motorista me deixasse na beira da estrada, porque eu já não parecia um ser humano — acrescenta.

Leis 'discriminatórias'

Uma lei para regular o trabalho dos empregados domésticos está emperrada há quase duas décadas na Indonésia, e os ativistas acusam o governo de arrastar a questão. No atual quadro jurídico, as empregadas domésticas não são consideradas trabalhadoras, o que as leva para o emprego informal e não regulamentado.

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Assim, se a lei for aprovada, ajudaria principalmente as domésticas recrutadas por agências para trabalhar no exterior, afirmam os ativistas.

— A lei é muito discriminatória — afirma à AFP o deputado Willy Aditya, que dirige a comissão que trabalha no projeto de lei.

Os defensores dos direitos das mulheres defendem que o governo deveria fazer mais para ajudar esse setor na Indonésia.

— O caso de Khotimah não é o primeiro. A resposta do governo sempre falha — diz Tiasri Wiandani, da Comissão Nacional para a Erradicação da Violência contra as Mulheres, acrescentando: — Pedir proteção a outros países e não cumprir nossas obrigações é como uma bofetada na cara.

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Apesar dos riscos e das histórias horríveis de abuso, a pobreza continua empurrando as mulheres das zonas rurais a procurar emprego nas grandes cidades.

— Devíamos dinheiro na nossa aldeia. Não havia outra opção — explica Khotimah.

A última a sofrer

A mãe de Khotimah a encontrou choramingando no chão de casa, durante a madrugada: o cabelo estava cortado, as feridas nas pernas expeliam sangue e pus, enquanto seus braços estavam repletos de queimaduras de cigarro.

— Ela chorava em silêncio. Acordei o meu marido e lhe disse: 'A sua filha está em casa, mas está morrendo' — relata Eni Sopiyah à AFP.

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A família chamou a polícia. Os suspeitos foram detidos, e ela foi internada num hospital em Jacarta, onde passou quatro meses.

Embora ainda esteja se recuperando fisicamente, a jovem quer continuar lutando na justiça por ela e por outras domésticas. Com a ajuda do grupo de defesa dos direitos humanos Jala PRT, ela apresentou queixa por abuso sexual contra aos seus empregadores.

— Espero que a lei de proteção das domésticas seja aprovada imediatamente para que não haja outra Khotimah — defende a jovem. — Que eu seja a última a sofrer.