Internacional
Vitória socialista em Câmara espanhola revela giro pragmático de ala dura do independentismo catalão; entenda
Partido separatista Junts se tornou fiel da balança nas negociações de formação de governo que podem manter o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, no poder
Após anos de confronto direto com o governo de Madri, o líder independentista catalão Carles Puigdemont cedeu nas negociações com os socialistas do primeiro-ministro Pedro Sánchez oferecendo os votos decisivos para eleger a candidata socialista à presidente da Câmara espanhola, Francina Armengol. O pleito era muito aguardado, não exatamente pela importância do cargo — o terceiro na hierarquia do país — mas por apontar para as soluções de alianças de formação de governo que vão definir o premier nos próximos anos.
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A matemática de apoios é a mesma na próxima etapa e o Junts se tornou o fiel da balança. Seu líder é o exilado ex-governador da Catalunha responsável pela tentativa frustrada de independência da região espanhola em 2017 — um terremoto político que ainda provoca tremores secundários até hoje. Os sete deputados do partido dele, o Junts (Juntos pela Catalunha) votaram nesta quinta-feira com a coalizão de esquerda liderada pelo Psoe (Partido Socialista Operário Espanhol), dando o apoio crucial para que os governistas elegessem sua candidata na sessão em que foi constituído o novo Parlamento eleito em 23 de julho. O outros partidos independentistas — do País Basco e da Galícia — fizeram o mesmo.
Nas eleições gerais, nem direita nem esquerda sozinhas obtiveram as 176 cadeiras parlamentares necessárias para formação de governo. Com isso, teve início a mais dura e incerta negociação política da História espanhola desde o fim da ditadura franquista, em 1975. Diante da alternativa de apoiar uma composição da mesa do Congresso liderada pela direita do PP e com seus possíveis aliados da ultradireita do Vox, Puigdemont surpreendeu muitos setores, dentro e fora de seu partido, e escolheu o caminho do pragmatismo.
Sob a batuta do ex-governador catalão, o partido abriu mão de demandas centrais a sua plataforma regional e que estavam na mesa até os últimos minutos antes da votação de hoje: um referendo de independência da Catalunha e a anistia dos independentistas condenados por participarem dos movimentos unilaterais de independência de 2017. O acordo do partido com os socialistas divulgado hoje de manhã foi bem menos ambicioso. As concessões levaram o líder independentista a declarar, logo depois, que a negociação para formar governo será outra — e mais ambiciosa.
'Bem-vindos à traição'
No Twitter, Puigdemont confirmou que, para alguns de seus partidários, o acordo “parecerá pouco”. A principal conquista na barganha para eles foi o compromisso dos socialistas de promover, em todo o Parlamento, o uso do catalão e de outras línguas co-oficiais — o que hoje se restringe ao Senado. Esta foi uma das questões em que as duas partes negociadoras mantiveram um cabo de guerra até ao fim. Armengol, no primeiro discurso como presidente da Câmara, já anunciou que "a partir de agora" vai permitir a utilização do catalão, do galego e do basco. Ao mesmo tempo, o governo espanhol registou em Bruxelas, no início da manhã, um pedido para que a União Europeia aceite também oficialmente as línguas co-oficiais da Espanha.
Outra demanda incorporada pela coalizão governista foi a criação de uma comissão para investigar se houve a suposta espionagem de líderes pró-independência pelos serviços de inteligência espanhóis. E o Junts ainda anunciou que outra exigência foi aceita: a abertura de investigação sobre o suposto envolvimento do serviço secreto espanhol nos ataques terroristas na Catalunha em 2017 — uma tese defendida, sem provas, pelos independentistas.
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Sobre os ataques que deixaram 16 mortos, o Junts declarou que "é necessário esclarecer os vínculos dos serviços de inteligência espanhóis com o imã Es-Saty", o ideólogo dos ataques, que morreu nos atentados, e "se os aparelhos do Estado tinham informações sobre os atentados e esclarecer porque não foi possível evitá-los". Os atentados já foram julgados e terminaram com condenações dos três sobreviventes da célula jihadista, integrada por nove pessoas.
A suspeita de envolvimento do Estado decorre da proximidade dos ataques com a explosão do movimento independentista, no mesmo ano, liderado por Puigdemont, então governador da Catalunha. As lideranças separatistas levaram adiante a realização de um referendo separatista considerado ilegal pelo governo nacional do então primeiro-ministro Mariano Rajoy (2011-1018, PP), seguido de uma declaração de independência. Eles acabaram afastados do poder e, em seguida, alguns foram presos — enquanto outros fugiram do país, como o líder do Junts que está na Bélgica.
Uma das questões que mais dificultaram a negociação com os socialistas, nos últimos dias, foi a exigência do Junts de um compromisso para promover a anistia de políticos e ativistas condenados pela participação no movimento de 2017. No último momento, os independentistas deixaram de lado as demandas mais radicais como essa e a exigência do novo referendo separatista. O mesmo movimento foi acompanhado pelo partido separatista rival do Junts na Catalunha, o ERC, que governa a região hoje e vem apoiando o governo Sánchez, sob artilharia pesada de críticas da legenda de Puigdemont. O ERC não deixou passar em branco a reviravolta na postura dos oponentes.
"Amigos do Junts, bem-vindos à política ‘traidora’” ironizou o ex-deputado do ERC Joan Tardà no Twitter. (Com AFP e El País)
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