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Eleições na Argentina: Candidato da extrema direita surpreende e vence primárias

Javier Milei, Patricia Bullrich e Sergio Massa disputarão o primeiro turno da eleição presidencial, em 22 de outubro

Agência O Globo - 14/08/2023
Eleições na Argentina: Candidato da extrema direita surpreende e vence primárias
Javier Milei

Com 97% dos votos apurados, o deputado Javier Milei, de extrema direita, foi o grande vencedor das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), realizadas no domingo na Argentina e cujo resultado define os candidatos que disputarão o primeiro turno da eleição presidencial, em 22 de outubro. Em um dia marcado por longas filas, em alguns casos relacionadas às urnas eletrônicas utilizadas na capital, Milei obteve 30,06% dos votos, ficando à frente dos dois candidatos da direita tradicional e da aliança governista, que obtiveram 28,27% e 2,24%, respectivamente.

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Com dados oficiais que indicaram um aumento da abstenção, o partido de Milei, A Liberdade Avança, fez denúncias públicas contra o governo da cidade de Buenos Aires por problemas nas urnas eletrônicas usadas apenas nas Paso portenhas, incorporando à sua agenda política críticas ao sistema eleitoral, bandeira já levantada nos Estados Unidos pelo ex-presidente Donald Trump e no Brasil por Jair Bolsonaro, que divulgou na sexta-feira vídeo de apoio a Milei.

— Acabaremos com o kirchnerismo e a casta política parasitária, que afunda o país — declarou Milei na noite de domingo.

Revés para o governo

Os atrasos na votação impactaram o processo de apuração dos votos, mas no fim da noite ficou claro que Milei se tornou o maior vencedor. Desde o fim da votação, às 18h, os bastidores das campanhas e a Casa Rosada tinham informações preliminares indicando que Milei teria obtido entre 25% e 30% dos votos, superando o candidato do governo peronist: o ministro da Economia, Sergio Massa.

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A aliança governista acabou em terceiro lugar. Com menos de 30%, o peronismo, apontam analistas, sofreu um revés difícil de superar com o aprofundamento da crise econômica. O candidato da Casa Rosada pode até mesmo ficar fora do segundo turno.

Após uma semana marcada por episódios de violência na capital e na província de Buenos Aires, e num clima de forte insatisfação social no país, Milei ficou acima inclusive da soma dos dois pré-candidatos da aliança opositora tradicional Juntos pela Mudança, a ex-ministra Patricia Bullrich e o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta. Na aliança opositora, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, a única mulher que disputa a corrida presidencial argentina — e tem seu apoio tácito — conseguiu avançar para o primeiro turno, derrotando o prefeito.

— Larreta me parabenizou, e vamos organizar tudo. Milei fez uma boa eleição, e a próxima [o primeiro turno] será acirrada — disse Bullrich, já descartando que Massa consiga uma vaga no segundo turno.

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Milei preocupa o governo brasileiro. No ano passado, confirmaram fontes do governo argentino, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a representantes da Casa Rosada informações sobre o candidato da extrema direita, que se tornou fenômeno político nas eleições legislativas de 2021, quando se elegeu deputado com 17% dos votos na capital. Recentemente, Lula afirmou que nestas eleições a democracia argentina está em risco.

No domingo, fontes da aliança Juntos pela Mudança admitiram que Milei foi subestimado e que promover uma disputa interna entre Bullrich e Larreta revelou-se um erro. Como sempre defendeu uma aproximação com Milei e respaldou a candidatura de Bullrich, Macri é um dos que ficam mais bem posicionados politicamente.

Uma das informações mais relevantes do pleito foi o aumento da abstenção num país no qual pesquisas recentes detectaram o desejo da grande maioria da população por mudança, mas, ao mesmo tempo, com visão pessimista do futuro. De acordo com dados oficiais, apenas 68,3% dos eleitores participaram das Paso, nível mais baixo num pleito que inclui candidatos presidenciais desde a redemocratização, em 1983.

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Em 2019, quando o presidente Alberto Fernández foi o pré-candidato mais votado nas primárias e saiu das Paso praticamente como chefe de Estado eleito do país, o percentual foi de 76%. Desta vez, a Argentina caminha para uma eleição presidencial de final aberto. Unida, a principal aliança opositora ao governo peronista de Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, confirmaria ser a força política mais importante do país, mas teria de lidar com a força ascendente de Milei.

Além de escolherem os candidatos à Presidência, nas Paso os argentinos votaram para determinar os nomes que disputarão 130 vagas na Câmara dos Deputados (de um total de 257), e 24 no Senado (de um total de 72 ). As primárias também confirmaram os candidatos a governador de Buenos Aires e Entre Rios.

Voto de protesto

O resultado de Milei reflete, na visão de observadores privilegiados locais como Alejandro Catterbger, da Poliarquia Consultores, um clima de profunda insatisfação social.

— Fazia tempo que não víamos um sentimento tão profundo de descontentamento da sociedade, talvez teríamos de voltar até 2001, ano que tivemos cinco presidentes em uma semana, o confisco dos depósitos bancários, e outros dramas nacionais, para tanto— diz o analista argentino.

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De acordo com o consultor político Mario Riorda, em algumas províncias Milei deve obter mais de 40% dos votos.

— A retórica de Milei consegue atrair os mais jovens, pessoas em bairros humildes, mas também na classe alta. É um voto de revolta — frisa.

O clima eleitoral na capital argentina foi de expectativa, mas também de irritação, com problemas gerados por um sistema híbrido e inédito de votação. Os eleitores portenhos utilizaram urnas eletrônicas para a votação de candidatos a prefeito da cidade, mas papel para a eleição nacional.

A juíza María Servini comunicou à Câmara Nacional Eleitoral que as máquinas utilizadas na cidade apresentaram problemas de "imperícia nunca antes vistos". O alerta foi confirmado pelos membros da Câmara Eleitoral, e para esta semana é esperada uma provável denúncia formal contra o governo da cidade de Buenos Aires, comandado por Larreta.

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A confusão com as urnas eletrônicas causou profundo mal-estar na equipe de Bullrich, que culpou o prefeito, e adversário na coalizão oposicionista, por um problema que poderia custar votos a ambos. A própria pré-candidata teve de fazer sete tentativas até finalmente conseguir votar. Eleitores portenhos contaram ter demorado duas horas ou até mais para votar.

— Vi urnas eletrônicas quebradas, e muitas que funcionaram mal. É uma vergonha — disse a aposentada Norma Pérez, de 63 anos, que votava no bairro de Belgrano.

Numa escola no centro da capital, a estudante Catalina González, de 16 anos, que no domingo votou pela primeira vez (somente entre 18 e 60 anos o voto é obrigatório na Argentina), suportou o frio do inverno portenho para exercer seu direito pela primeira vez.

— Para os mais idosos, o voto eletrônico foi especialmente confuso. Aqui as filas foram longas e demoradas, e isso desanima. Vi pessoas irem embora sem votar — contou.