Internacional
Mais britânicos querem voltar à UE, mas não há rota para reverter divórcio
Embora não seja impossível do ponto de vista legal, 'reatar o casamento' depende de muitas variáveis complexas
Quando o neologismo Brexit, mistura de palavras que se referia à saída dos britânicos da União Europeia (UE), entrou para o léxico, poucos entendiam seu significado prático. À época, muitos viram, ou venderam, a novidade como panaceia: sinônimo de retomada da soberania da nação — que se libertaria dos ditames e burocracia de Bruxelas (a sede do bloco econômico) —, de crescimento econômico e do fim do que se considerava uma imigração desmedida. Hoje, sete anos após o plebiscito, as estatísticas mostram uma realidade bem diferente do que se alardeou. E, pela primeira vez desde então, 59% dos britânicos estão dispostos a votar pelo reingresso. Mas não basta querer. O caminho de volta é incerto.
Dois anos depois: números mostram fracasso do Brexit, mas políticos britânicos evitam o assunto
Editorial: Sete anos depois do plebiscito, fracasso do Brexit é eloquente
Embora não seja impossível do ponto de vista legal, reatar o casamento depende de muitas variáveis complexas. A primeira é que os europeus precisam aceitar o ex-parceiro de volta. A regra diz que o “sim" deve vir dos 27 países — e seus respectivos Parlamentos. Fora do clube, o Reino Unido está sujeito às mesmas condições impostas a outros forasteiros. Precisa entrar com novo pedido de adesão, preencher as exigências do zero e enfrentar a burocracia do processo.
Espera de até 9 anos
Entre pedir para entrar e assinar o acordo de ingresso, Chipre, República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia e Lituânia levaram, em média, nove anos. A boa notícia para o Reino Unido, que conhece as regras da UE por ter sido membro recente, é que Suécia e Finlândia esperaram apenas três anos. Isso significa que a vontade política será fator determinante. Mas a saída dos britânicos pelos europeus não foi bem digerida. Aceitá-los pode ser um problema no bloco.
Dentro desta ilha, não há horizonte para novo plebiscito. O tema ainda é ferida aberta e está por trás da polarização dos últimos anos. Por isso, nenhum grande partido político ousa tocar no assunto, que está fora da pauta da próxima eleição geral, prevista para 2024, mas que pode ser antecipada ainda para este ano dadas as atuais turbulências econômicas e políticas no país.
O humor em relação à UE mudou depressa. O plebiscito que confirmou o divórcio com 52% de apoio popular ocorreu em junho 2016. O Brexit propriamente dito só foi implementado em janeiro de 2020 — há menos de quatro anos.
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O que mostram as últimas pesquisas de opinião é que, até entre os ferrenhos defensores do fim da relação, há quem considere a decisão equivocada. Um em cada três deles acredita que a economia enfraqueceu. Embora metade dessas pessoas reitere que ainda optaria por deixar a UE, cerca de 36% admitem que votariam pelo reingresso se tivessem a oportunidade. Os dados são da Redfield & Wilton for UK in a Changing Europe. Hoje, apenas um terço dos britânicos como um todo insiste que o Brexit foi decisão acertada. Outros 55% discordam, segundo o instituto Yougov.
Os ventos teriam começado a mudar quando já era tarde demais. De acordo com um dos maiores especialistas em eleições do país, o professor John Curtice, da Universidade de Strathclyde, o que determinou a mudança foi o momento em que a população se deparou com prateleiras vazias nos supermercados e falta de combustíveis nos postos, no segundo semestre de 2021.
Faltam até veterinários
Muitas empresas europeias simplesmente pararam de enviar produtos ao Reino Unido dada a nova burocracia, atrasos na fronteira, custos e a falta de motoristas, muitos deles de origem europeia. Desde então, segundo Curtice, as dúvidas sobre o acerto da decisão só crescem.
Para especialistas, a possibilidade de tentar o reingresso ainda é remota, mas já não é descartada. Seria até acalentada por grupos políticos. Mas ninguém quer enfrentar os riscos do desgaste de um tema controverso. Nem o principal partido da oposição, dado como favorito nas eleições gerais, revela claramente sua posição em relação ao tema, embora se mostre simpático ao bloco. O que se diz é que, se os liberais democratas, que nunca deixaram de apoiar abertamente a união, formarem um novo governo de coalizão com os trabalhistas, o tema tem mais chances de voltar à pauta.
Para a historiadora da Universidade de Westminster, Pippa Catterall, isso pode representar o descontentamento da população com o Partido Conservador, no poder há quase 14 anos, e com a forma como tem manejado a crise econômica que só se aprofunda. Com a inflação no nível mais elevado dos últimos 40 anos, 2,4 milhões de famílias deixaram de pagar pelo menos um boleto em julho, segundo dados do grupo Which?.
Anne Taylor, de 48 anos, levou um ano e meio para registrar seu cachorro na clínica veterinária perto de casa, em Maidenhead, 45 quilômetros a oeste de Londres. Por falta de profissionais, a clínica não tinha como aceitar novos pacientes, que só podem ser atendidos se constarem da lista de clientes:
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— Me disseram que, como os veterinários europeus foram embora com o Brexit, não conseguiam achar pessoal.
Oficinas mecânicas só têm horário para atender a partir de meados de setembro. Luke Stevenson, de 50 anos, já tentou três para consertar defeito intermitente no painel do carro.
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— O técnico me aconselhou a chamar o serviço de emergência do seguro para tentar atendimento antes — afirma.
As filas de checagem de passaportes para quem vai cruzar a fronteira para o velho continente nas férias de verão mais esperadas desde a pandemia é outra dor de cabeça. Além disso, exportadores e importadores dizem que a promessa das facilidades pós-Brexit para o comércio exterior se transformaram, em muitos casos, em custos. Há muitos cálculos sobre as perdas impostas pelo Brexit ao país. Um deles estima o prejuízo em cerca de 100 bilhões de libras por ano, valor alto para uma economia que não consegue crescer.
Drama existencial
Na última década, a agenda do Brexit paralisou boa parte da pauta nacional. Para muitos, terá sido perda de tempo histórica se a discussão passar a ser, depois de tudo, como voltar atrás. O Brexit tornou-se uma maldição nessa ilha? Para Pippa, é parte de uma maldição maior.
— Quem somos? É um problema de identidade nacional, que tem nos levado a múltiplas crises ao longo dos anos. [O país] Teve um império e o perdeu rapidamente, mas se convenceu de que continuava a ser um grande player, que não é. Acabamos por entrar na UE, mas isso nunca bem resolvido. Saímos — disse.
Foram três tentativas frustradas até o ingresso em 1973 na Comunidade Econômica Europeia, a precursora da UE. Dois anos depois, o Reino Unido realizou seu primeiro plebiscito para saber se saía ou ficava. Ficou. Para Pippa, só o lado ruim sobressaiu. Faltou explicar à população seus benefícios. A questão europeia derrubou três primeiros-ministros no Reino Unido.
Se, no final das contas, a UE aceitar o ex-parceiro de volta, será em condições bem menos vantajosas para os britânicos, que contavam com benesses que outros integrantes do bloco não têm até hoje. Os europeus não deram qualquer sinal de simpatia a um reingresso e nem o farão tão cedo.
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