Internacional
‘Oppenheimer’ escancara questões morais e históricas sobre as armas nucleares
Aniversário dos ataques a Hiroshima e Nagasaki coincide com filme, que revela como arma iniciou corrida armamentista que marcaria a História humana para sempre
“8h15 era nossa hora de reunião. De repente, um brilho forte e alaranjado, mais claro do que o sol de verão, nos atingiu com força. Não podíamos evitar porque não havia sombra no pátio de nossa escola, então fomos diretamente queimados.”
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Naquela manhã de 6 de agosto de 1945, Sadao Hirano, então com 12 anos e com expectativas comuns aos jovens de um Japão Imperial em guerra, se preparava para mais uma jornada de trabalho em Hiroshima, mas o clarão inexplicado no céu parou o tempo para ele e para centenas de milhares de pessoas. Segundos depois da luz, veio um impacto jamais sentido em toda a História humana.
“Tudo se tornou confuso e caótico. A escuridão nos cercou por um instante. Estava com sede e era difícil respirar por causa da poeira”, disse Hirano em depoimento à revista da Associação de Estudos Asiáticos, em 2015. Segundo ele, alguns de seus colegas tinham queimaduras tão severas que deixaram de parecer humanos — “eram como monstros”, disse.
Três dias depois, a “Fat Man”, outra bomba, era detonada 500 metros acima de Nagasaki (bombas atômicas são detonadas ainda no ar para maximizar o impacto). Mais de 200 mil pessoas morreram nas duas cidades, e outras mais conviveram durante o resto de suas vidas com sequelas.
Bomba era ‘necessária’?
No momento em que os ataques em Hiroshima e Nagasaki completam 78 anos, um “blockbuster” lançado semanas antes do aniversário serviu como uma janela para esse que foi um dos momentos mais críticos da Humanidade. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, narra a criação da bomba atômica, levantando algumas questões relacionadas à mais poderosa das armas. O filme não foi lançado no Japão, e tampouco há qualquer previsão para que seja exibido no país.
A começar pela questão moral, que permeia as três horas de filme, inclusive nos momentos pós-guerra. Desde a descoberta de que era possível militarizar a fissão nuclear, os cientistas passaram a conviver com a pressão para que a bomba ficasse pronta rapidamente, de preferência antes dos nazistas. Ao mesmo tempo, era impossível esquecer o potencial destruidor da bomba, e Nolan usa por vezes a espiritualidade do físico J. Robert Oppenheimer para sublinhar esse debate interno. Uma das frases mais conhecidas do filme, “Agora me tornei a morte, destruidora de mundos”, vem do Bhagavad Gita, um texto crucial do hinduísmo.
Como pontua Stephen Thompson, especialista no livro sagrado, em entrevista à Wired, o trecho, em vez de ser uma percepção de que Oppenheimer havia se tornado uma espécie de Hades (rei do mundo dos mortos na Mitologia Grega), na realidade denota uma submissão: não importa mais o que faça, tudo está nas mãos do divino. Na prática, reconheceria não ter mais poder de influenciar o futuro de sua obra. De certa forma, isso ajuda a entender a pouca oposição do cientista ao uso de fato das bombas que ele havia ajudado a criar. Apesar de não ter um papel decisório sobre um ataque nuclear, Oppenheimer tinha uma voz de destaque e preferiu não usá-la.
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— Depois da derrota da Alemanha Nazista, alguns dos cientistas do projeto (Manhattan) pensavam que não havia necessidade de lançar uma bomba no Japão, que poderia ocorrer uma demonstração em alto-mar ou que o Japão poderia ser informado que a bomba existia, mas Oppenheimer escolheu fazer pouco ou nada para ajudá-los — disse, em entrevista ao Harvard Gazette, Stephen Shapin, professor de História da Ciência da universidade.
Depois que a bomba em Hiroshima e, especialmente, Nagasaki foram detonadas, Oppenheimer parece ter percebido a escala do que havia feito.
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— Senhor presidente, tenho sangue em minhas mãos — disse no único encontro que teve com o então presidente dos EUA, Harry Truman, em outubro de 1945, uma fala citada na biografia “O Prometeus Americano”, de Kai Bird e Martin Sherwin. Depois do encontro, foi chamado de “bebê chorão” pelo presidente.
E há a segunda questão: jogar as bombas atômicas no Japão era mesmo necessário? Afinal, em março de 1945, Tóquio havia sido dizimada pelo maior bombardeio aéreo da História — uma alcunha que permanece até nossos dias. Cerca de 100 mil pessoas morreram, e boa parte da capital japonesa foi destruída pelos americanos — com armas convencionais.
Fator Stalin
A própria narrativa oficial da Casa Branca, de que as bombas foram o fator decisivo para forçar a rendição japonesa, é extremamente questionada. O historiador Gar Alperovitz afirma que os japoneses tinham a intenção de se render em 1945. Décadas depois, Ward Wilson, autor de “Cinco Mitos sobre as Armas Nucleares”, apontou para a demora entre os ataques e a tomada de decisão pelas lideranças japonesas — o anúncio da rendição veio em 15 de agosto. Se a bomba era definidora, por que não houve uma resposta rápida?
A decisão dos japoneses, afirmam historiadores, tinha nome e sobrenome: Josef Stalin, líder da União Soviética, que atendendo a um pedido dos aliados iniciou, em 8 de agosto de 1945, dois dias depois do ataque em Hiroshima, a ofensiva militar contra o Japão. Em questão de dias, as tropas soviéticas derrotaram os japoneses, em uma campanha que libertou a Coreia, partes da China e que ocupou as Ilhas Curilas. A invasão da ilha de Hokkaido, a segunda maior do arquipélago do Japão, era iminente. Para Ward, essa ameaça foi o fator decisivo para a rendição — algo não mencionado no filme de Nolan.
A bomba, aponta Ward, seria uma demonstração de força aos soviéticos e ao resto do mundo. Mas em vez de ser a arma para pôr fim a todas as guerras, ela tirou um gênio da lâmpada e deu início a uma corrida armamentista que marcaria a História humana para sempre.
Os soviéticos testaram seu primeiro artefato em 1949 e, em 1961, detonaram a maior bomba de todos os tempos, a “Tsar Bomba”, 1,5 mil vezes mais potente do que as armas que atingiram Hiroshima e Nagasaki combinadas. Outros sete países — Reino Unido, França, China, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte — montaram seus arsenais. Hoje, segundo a Associação para Controle de Armas, há 12,5 mil ogivas nucleares no mundo, sendo que a maior parte na Rússia (5.889) e EUA (5.244), mais do que suficiente para explodir o planeta algumas vezes. Talvez a teoria da “ignição atmosférica”, de que uma detonação atômica poderia incendiar nossa atmosfera e citada com frequência ao longo do filme de Nolan, não estivesse totalmente errada.
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