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Polícia alagoana trucidava Virgulino Ferreira e seu bando em Angicos há 85 anos

Cerco ao rei do cangaço se deu em 28 de julho de 1938

Tânia Maria de Souza Cardoso 30/07/2023
Polícia alagoana trucidava Virgulino Ferreira e seu bando em  Angicos há 85 anos
Lampião e Maria Bonita - Foto: Bejamin Abraão

Lampião tornou-se a figura mais conhecida do fenômeno do cangaço, em parte devido as suas proezas contra a polícia e poderosos locais, a despeito de ter seguidamente estabelecido diversas alianças com esses. Tornaram-se míticas as estratégias que seu bando utilizou durante o período de duração do seu domínio no sertão.

De cabra de "Sinhô" Pereira a chefe de bando, Lampião ficou conhecido como "o rei do cangaço", título alcançado devido as suas atrocidades. Através de métodos desumanos dominou o semi-árido de seis estados nordestinos: Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraíba, Ceará e, em uma oportunidade, esteve no Rio Grande do Norte, desafiando volantes policiais, infligindo-lhes vergonhosas derrotas. Entre as suas façanhas encontra-se o roubo da Baronesa de Água Branca, o ataque a Sousa e a tentativa de saquear Mossoró.

Batizado com o nome de Virgulino Ferreira da Silva, nasceu a sete de julho de 1897, em Vila Bela, (hoje Serra Talhada), Estado de Pernambuco, falecendo em 1938, juntamente com sua companheira Maria Bonita e os membros de seu bando, em Angicos, Sergipe, assassinado por policiais de Alagoas. O apelido de Lampião veio de uma expressão que costumava repetir, gabando-se de que, ao lutar contra seus inimigos, sua espingarda não deixava de ter clarão “tal qual um lampião”.

Seu ingresso no cangaço ocorreu quando tinha apenas 17 anos, tomando parte no bando de Sinhô Pereira. O motivo de sua entrada no banditismo é controverso: para alguns, deveu-se ao desejo de vingar o pai, assassinado por chefes políticos que desejavam as terras da família; para outros, Lampião já era membro de tropas de cangaceiros quando seu pai foi assassinado. Enquadra-se no primeiro grupo Hobsbawn (1976, p. 56), que assim descreve o processo que levou Lampião ao cangaço: Quando ele [Lampião] tinha 17 anos, os Nogueiras expulsaram os Ferreiras da fazenda onde viviam, acusando-os falsamente de roubo. Assim começou a rixa que o levaria à marginalidade "Virgulino", recomendou alguém, "confie no divino juiz", mas ele respondeu: "O Bom Livro [A Bíblia] manda honrar pai e mãe, e se eu não defendesse nosso nome, perderia minha macheza".

Por isso, comprou um rifle e punhal na vila de São Francisco; e formou um bando com seus irmãos e 37 outros combatentes para atacar os Nogueiras, na Serra Vermelha. Passar da rixa de sangue ao banditismo era um passo lógico (e necessário, dada a maior força dos Nogueiras). Lampião tornou-se um bandido errante, ainda mais famoso que Antônio Silvino, cuja captura em 1914 deixara uma lacuna no panteão do sertão:

Porém, não poupava a pele
nem de militar nem civil;
Seu carinho era o punhal.
E o presente era o fuzil.
Deixou ricos na esmola
Valente caiu de sola
Outro fugiu do Brasil


A vida de fora-da-lei de Lampião começou em razão de roubos de artefatos da pecuária. Sucederam agravos, perseguições a toda sua família, levando-o assim a abraçar o cangaço. Como todo cangaceiro, seu lema era vingança. No princípio começou com tiroteio, emboscada, cerco, resultando mais tarde em mortes e outros feitos.

Logo após a sua ascensão a chefe de bando, Lampião decidiu atacar a cidade de Água Branca, Estado de Alagoas, visando roubar D. Joana Siqueira Torres. Sendo bem sucedido em sua empreitada, logo granjeou notoriedade regional. Em 1924 uniu-se ao bando de Chico Pereira, natural da cidade de Nazarezinho, Estado da Paraíba, desferindo ousado ataque à cidade de Sousa, sem resistência e nenhum estado de alerta, o município foi palco para mais um capítulo da história de terror do cangaço nordestino. Implantando o terror por onde passou, Lampião assaltou cidades, incendiou fazendas, assassinou pessoas, desonrou moças. 

Hobsbawn (Op.cit, p. 57-58), descreve alguns de seus feitos terríveis: [A história de Lampião] registra horrores: como Lampião assassinou um prisioneiro, embora sua mulher o tivesse resgatado, como ele massacrava trabalhadores, como torturou uma velha que o amaldiçoara (sem saber de quem se tratava) fazendo-a dançar com um pé de mandacaru até morrer, como matou sadicamente um de seus homens, que o ofendera, obrigando-o a comer um litro de sal, e incidentes semelhantes. Causar terror e ser impiedoso é um atributo mais importante para esse bandido do que ser amigo dos pobres. 

Já em 1926, Lampião torna-se um nome lendário no Nordeste quando recebeu a patente de Capitão do Exército Brasileiro, armas e munições para combater a Coluna Prestes, concedidos pelo Padre Cícero Romão Batista. Essa patente, não sendo reconhecida pelo Governo Brasileiro, fê-lo continuar com a vida cangaceira. A Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1994, p. 3548) descreve assim o episódio do encontro com a Coluna Prestes; Com Lampião vigorou a lei do extermínio, indo do estupro ao incêndio, do saque ao assassinato frio.

Lampião e seu bando em foto após granjear notoriedade regional ao invadir Água Branca, no sertão alagoano
Lampião e seu bando em foto após granjear notoriedade regional ao invadir Água Branca, no sertão alagoano

Na época da Coluna Prestes, Lampião foi convidado a colaborar com o governo por intermédio do Padre Cícero, que lhe ofereceu a patente de capitão. Aproveitou-se do momento para armar melhor todo o seu bando”. No ano seguinte, 1927, agindo por incentivo de Massilon Leite, resolveu atacar Mossoró, naquela época considerada uma das cidades ricas do Nordeste. Dessa vez, porém, o bando de cangaceiros foi derrotado, batendo em retirada (1). O prefeito Rodolfo Fernandes e alguns moradores, recebendo informações que o bando cortara a fronteira com a Paraíba e estava marchando para o Rio Grande do Norte, tomaram providências, preparando homens munidos com armas e munição à espera de Lampião e seu bando. Assim, no dia 13 de junho os homens estavam esperando os cangaceiros em pontos estratégicos como as torres das igrejas, casa do prefeito, mercado, cadeia e muitos outros pontos.

Próximo a Mossoró, Lampião se abrigou na fazenda oiticica na companhia do bando, encontrando o Coronel Antônio Gurgel, a quem obrigou a redigir bilhete ao prefeito de Mossoró, que se indispôs a pagar a quantia de 400 contos de Réis estipulada por Lampião, para que a cidade fosse poupada de um ataque fulminante. Indignado, o cangaceiro ataca a cidade, sendo rechaçado pela população armada.

Em 1930, Lampião conheceu Maria Bonita, que abandonou o marido para acompanhar o cangaceiro. À mulher é creditada uma forma de obstáculo ao instinto assassino do novo esposo.

Mesmo diante de tantas atrocidades, o mito do cangaço se espalhou pela caatinga, convertendo em herói os personagens que optaram pela marginalidade e o banditismo. E nesse processo, as diferentes manifestações artísticas tiveram um papel relevante, fazendo da figura do cangaceiro uma temática frequente, principalmente as de caráter acentuadamente popular, dentre as quais se destaca a literatura de cordel.(1) - O episódio é descrito com riqueza de detalhes por Raul Fernandes em A Marcha de Lampião – Assalto a Mossoro (1985), fonte da qual retiramos os dados que apresentamos relativos ao rechaço sofrido pelo bando de cangaceiros na cidade potiguar.

Mantendo-se errante, sem endereço fixo, vivendo de assaltos, saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou de família, o bando de lampião instaurou o clima de terror pelos sertões até o ano de 1938, quando, a 28 de julho, a carreira do “rei do cangaço” chegou ao final: surpreendido na grota de Angicos, entre Alagoas e Sergipe, pela volante de João Bezerra, da polícia de Alagoas, o cangaceiro é fuzilado na companhia de Maria Bonita e nove bandoleiros. Os policiais decapitaram os bandidos, como prova do extermínio do bando, e as cabeças ficaram expostas no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de 30 anos.

Depois do desaparecimento de Lampião, Cristino Gomes da Silva Cleto, conhecido como "Corisco, o Diabo Louro", assumiu o controle do banditismo. Sua carreira, entretanto, foi curta, sendo morto em 5 de maio de 1940, quando foi surpreendido pelas volantes policiais, na companhia de Dadá, sua esposa, na região de Brotas de Macaúbas, Estado da Bahia.Com as mortes de Lampião e Corisco, o cangaço se acabou na forma como ele era entendido, não obstante sabermos que hoje ainda continua presente, disfarçado e com outra nomenclatura mais sofisticada.

De acordo com Frederico Pernambucano de Mello (1976, p. 16), “Lampião se enquadra no tipo de maior frequência como modalidade criminal dentro do quadro geral do cangaço nordestino”, ou seja, o cangaço rapina ou meio de vida. Portanto, numa época profundamente conturbada pelas disputas entre os chefes políticos, lutas de família, ausência de manifestações rígidas de um poder público distante, povoado por um homem individualista que não prestava conta dos seus atos, e influenciado pelas bravuras dos cavaleiros medievais, o sertanejo, que tinha no épico o seu gênero preferido, passa a conceber o cangaço como um meio de sobrevivência, na qual a tônica é o sentimento de vingança e refúgio (Id., ibid.). Dessa forma, o fato do sertanejo considerar o cangaço como profissão reflete todo o contexto em que se insere as condições sócio-econômicas, políticas e culturais da região, marcado pela complexidade do fenômeno.



(*) Tânia Maria de Souza Cardoso é Pedagoga/Supervisão Escolar, formada pela atual Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Centro de Formação de Professores/CFP, Campus de Cajazeiras – PB. Especialista em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Professora da Rede Municipal de Ensino de Mossoró