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Virando a página de uma vida estabanada

Dartagnan Zanela 21/07/2023
Virando a página de uma vida estabanada
Dartagnan - Foto: Arquivo

Rachel de Queiroz, em sua obra “O Quinze”, nos apresenta os desencontros amorosos entre o rude Vicente e a refinada e culta Conceição, em um dos planos da referida obra. Desencontros esses que geram um punhado de mal-entendidos que acabam por levar as personagens a seguirem rumos apartados, bem diferentes do que poderia ter sido.

Aliás, quantas e quantas vezes nós não acabamos vivendo situações assim, que mudam de forma brutal o caminho que estava sendo trilhado por nós. Com toda certeza não são poucas as decisões que tomamos que acabam tendo essa feição, da mesma forma que são muitas as situações, similares a essa, onde não temos a menor consciência dos seus efeitos sobre nossa vida. Na verdade, raramente paramos para pensar a respeito disso.

E o mais gozado é que somos capazes de nos manter “serenos”, imperturbáveis diante de incontáveis equívocos, de inumeráveis mentiras, como se essas não tivessem o menor efeito sobre nossas vidas, apesar delas estarem arrastando para a lama tudo aquilo que, algum dia, teve algum valor para nós.

As razões para tal estado de sonambulismo existencial, provavelmente são muitas, mas, de um modo geral, creio que há uma razão central, que há muito foi apontada por George Orwell, que ajuda muito a alumiar o nosso entendimento sobre a questão.

Ele nos lembra que tal estado de sonsice em muito se deve ao fato de que nos esquecemos com facilidade de tudo aquilo que ficamos sabendo; e esquecemos, assim, de um dia para o outro, porque somos submetidos a um bombardeio constante de informações, que chegam até nós das mais variadas formas, anestesiando nosso entendimento e entorpecendo a nossa consciência.

Anestesiados e entorpecidos, acabamos não mais diferenciando aquilo que é ilusório daquilo que é real e invertemos, sem a menor cerimônia, a ordem dos valores, a hierarquia das prioridades, o sentido da realidade.

Podemos dizer que, de certa forma, agimos de modo similar a personagem Conceição, preferindo muitas e muitas vezes nos apegar a uma interpretação distorcida, pretensamente culta e "sabida", ao invés de procurarmos, com humildade, nos abrir para a realidade como, de certa forma, fazia a avó da referida mocinha, a Mãe Nácia.

Pois é. A abundância de informações acaba tendo pouca serventia quando não nos encontramos munidos das questões certas para trabalhá-las. Vai ver que é por isso que, atualmente, mesmo tendo acesso a tantas informações, estejamos cada vez mais desorientados em nossa vida.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Autor de “A Bacia de Pilatos”, entre outros livros.