Internacional
'Banco dos Brics ainda não mostrou os dentes'
Ex-secretário adjunto da ONU, Carlos Lopes, vê com bons olhos a nomeação da ex-presidente Dilma para a presidência da instituição, mas diz para desempenhar papel relevante no continente africano, falta muito a ser percorrido

Embora a nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff seja um indicador de novo comprometimento com a organização, o Banco dos Brics ainda precisa percorrer um longo caminho para passar das boas intenções. Essa é a análise do economista Carlos Lopes, ex-secretário adjunto da ONU, durante o mandato de Kofi Annan.
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De acordo com o analista natural de Guiné-Bissau, atualmente professor nas universidades Nelson Mandela e Cidade do Cabo, na África do Sul, e Scienses Po, na França, o continente africano busca oportunidades para aumentar seu nível de industrialização e aumentar a produtividade de seu setor primário, o que abre oportunidades para cooperações econômicas com o Brasil. A dinâmica, no entanto, não será a mesma do que os primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em razão de uma série de mudanças estruturais e de conjuntura.
— O presidente Lula vem afirmando que a retomada das relações com a África é um dos objetivos de seu mandato, mas hoje, sua primeira visita ao continente foi em uma parada da Europa, no caminho de volta para o Brasil. Como essa rápida visita foi recebida por lideranças do continente?
Acho que as lideranças africanas estão ansiosas por um retorno do Brasil a um nível de engajamento mais qualitativo, e gostaram até aqui do que ouviram do presidente, nomeadamente na Cúpula de Paris sobre o Novo Pacto Financeiro Global. Não se deve ler demasiado o significado dessa primeira parada do presidente no continente. Só será notícia no Brasil e em Cabo Verde. O que vai marcar o retorno do Brasil em termos de parceria reforçada vai ser a visita à África do Sul para a Cúpula dos Brics.
— Há alguma expectativa dos governos africanos quanto ao novo mandato de Lula, uma vez que ele foi o presidente brasileiro que mais visitou o continente? O que se espera da parceria Brasil-África?
Espera-se uma retoma do comércio e dos investimentos e uma maior coordenação político-diplomática, como nos anteriores mandatos do presidente. Mas o mundo mudou muito desde então e a África também. As questões climáticas clivaram o ambiente diplomático e a reforma do sistema financeiro internacional ganhou centralidade. Os países esperam do Brasil uma liderança solidária aos interesses do Sul Global. Existe uma grande expetativa.
— Embora Lula tenha um histórico de visitas ao continente e tenha reafirmado a intenção de estreitar os laços, em 7 meses de governo — marcados pela grande quantidade de viagens internacionais — a primeira ida ao continente foi uma parada de cerca de 2 horas... A região como um todo vê como normal a prioridade que foi dada a outros centros ou entende que a agenda do presidente não acompanha o discurso de quem pretende estreitar laços?
Entende-se que o presidente herdou um fardo pesado e está há apenas 6 meses no governo. Como disse a leitura principal será para além do simbólico, como número de visitas ou número de representações diplomáticas. Eu acho que a convergência de posições da África e Brasil sobre a guerra na Ucrânia é muito mais importante. Ambos tentam a paz ou demonstram uma vontade de neutralidade em relação às tensões entre blocos.
— Os primeiros mandatos de Lula e o governo Dilma Rousseff (hoje presidente do Banco dos Brics) foram os que mantiveram uma relação mais próxima com países africanos. Mas o que ficou por fazer? Há algo que poderia ter sido feito e não foi? Há espaço para o novo governo tentar corrigir eventuais erros?
Erros talvez não seja a terminologia mais adequada. Mas acho que é preciso maior escala e mudar o foco. Os países africanos desejam industrializar-se, valorizar as suas matérias primas com valor acrescentado e aumentar a produtividade do seu setor primário. Isso é diferente de aumentar a exportação de produtos manufaturados brasileiros e investir em commodities, como fazia a Petrobras e a Vale. Os processos de transformação das economias africanas podem se beneficiar do conhecimento, eficácia e capital brasileiros. Isso trará a reboque mais comércio também.
— A presidência de Dilma na instituição financeira é vista com bons olhos pelos países africanos? O Banco dos Brics tem (ou pode ter) um papel relevante no desenvolvimento da região?
Até agora o Banco dos Brics ainda não mostrou os dentes. Há muito caminho para andar para que seja convincente e passe das boas intenções. A presença da presidente Dilma na direção é um sinal de novo comprometimento. Vamos aguardar no concreto o que vai acontecer.
— Algo que ficou marcado dos primeiros governos do PT na relação com a África foi a atuação do BNDES em países do continente. O senhor acredita que algo similar pode ser reeditado, de forma vantajosa para o Brasil e seus parceiros?
Falou-se muito da presença do BNDES na África, mas na prática os montantes eram modestos e ligados à expansão de empresas brasileiras como construtoras ou a Embraer. Claro que isso é bem-vindo. Mas tem mais sentido expandir a presença do Brasil em projetos de grande potencial. Alguns em infraestruturas de grande dimensão e outros na exportação de capacidades da indústria brasileira.
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