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Os oito cadetes
Durante a II Guerra Mundial, o Exército Brasileiro participou bravamente com um contingente, a Força Expedicionária Brasileira – FEB, vencendo o Nazi-Fascismo em campos de batalhas europeus. Os soldados brasileiros tornaram-se heróis e tiveram a admiração dos combatentes amigos a até inimigos por sua bravura durante as batalhas e alegria nas horas de folga ou mesmo na expectativa de encontro com o inimigo italiano e alemão.
Com a experiência do campo de batalha, o Exército Brasileiro resolveu melhorar o poder de combate da tropa e investiu na formação, na educação e adestramento técnico do Oficial do Exército construindo uma nova Escola Militar, a Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN. O projeto saiu do papel, a construção foi iniciada na cidade de Resende. Na fase de acabamento, de revestimento, por falta de verba, foram interrompidas as obras, o que causou frustação nos cadetes da velha Escola Militar do Realengo que continuou funcionando formando oficiais do Exército. Instituição por onde passaram muitos militares conhecidos no século passado.
Por estarem longe da família os colegas das Escolas Militares, companheiros de estudo e ralação para concluir o curso, tornam-se irmãos por adoção, amizade que perdura por toda vida. Até hoje nós veteranos oitentões conservamos essa irmandade, nos reunindo, vez em quando, em vários locais do Brasil para boas recordações e conversar sobre os netos.
Na velha Escola Militar do Realengo uma das diversões dos cadetes “laranjeiras”, que não moravam no Rio ou São Paulo, era montar no fim de semana. Oito amigos inseparáveis costumavam cavalgar perto do bairro do Realengo. Oito companheiros estavam sempre juntos, um ajudava ao outro nos estudos, nas dificuldades, e também nas diversões.
Em algumas noites eles costumavam sorrateiramente cavalgar até as boates de mulheres que havia nas redondezas. Os oitos cadetes vestiam-se apenas com pelerine (capa militar azul marinho comprida até os joelhos, sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo. O mulherio se assanhava quando eles apareciam. Havia um detalhe: por baixo das pelerines eles estavam nus; assim faziam farras homéricas nos cabarés. Os cadetes cavalgavam nus, dançavam nus, apenas cobertos pela pelerine. Certamente iam nus para os quartos das prostitutas apaixonadas. Naquela época as mulheres da vida tinham namorados. Era um divertimento de alto risco, se os jovens fossem apanhados pela Patrulha Militar da Escola, pegariam cadeia ou até expulsão.
Certa noite depois de dançar, depois de se deitarem com as “namoradas”, depois de se divertirem, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato e com um grito de comando dispararam pela estrada de barro retornando a Realengo. Quando galopavam por uma rua escura, por volta de uma hora da manhã, perceberam numa esquina quatro homens assaltando, batendo num senhor que pedia clemência, que não lhe matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas, os cavalos dirigiram-se para o local do assalto. Com destemor e coragem desmontaram dos cavalos ainda a galope, agarraram os bandidos. Dois cadetes socorreram o senhor que aparentava mais de 60 anos, os outros prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima. O velho ferido foi deixado num hospital.
Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola pediu à tropa que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão se identificassem, o filho desse senhor estava ali para agradecer. Os oito amigos não se revelaram com receio de pegar cadeia. No dia seguinte depois do comandante insistir e prometer que não haveria punição, afinal foi um ato de bravura, os oito cadetes, depois da formatura, confabularam e resolveram se apresentarem.
Assim o próprio comandante da Escola levou os oito cadetes à presença do velho no hospital. Era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, dono de várias empresas, inclusive o Loyd Nacional, companhia de navios de luxo que navegavam a costa brasileira. O rico senhor agradeceu aos cadetes, feliz em vê-los, perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que queriam: casa, carro, dinheiro ou o que fosse. O velho fazia questão de retribuir. Os cadetes salvaram sua vida. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito. No dia seguinte eles retornaram ao hospital com a decisão unânime entre os oito cadetes: nada queriam para eles, pediam que o Sr. Henrique Laje ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras, que estava paralisada.
O velho ficou comovido com o desapegado e altruísmo dos cadetes, no mesmo momento deu a ordem ao filho. Mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, encomendou todo o piso da Academia em granito, mandou comprar material de acabamento de primeira qualidade.
Afinal foi inaugurada a AMAN com uma homenagem a Henrique Laje. Ainda hoje perdura o luxo e a suntuosidade daquele belíssimo conjunto arquitetônico. A Academia Militar das Agulhas Negras é considerada a mais completa e mais bonita Academia do mundo, graças à digna e corajosa atitude dos oito cadetes; hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos. Porém, o belo gesto, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada em reuniões de militares veteranos aposentados.
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