Esportes
Presidente do Inter quer árbitros profissionais: ‘Todos times foram prejudicados’
Muita gente não entendeu por que Abel Braga, o treinador que levou o Internacional ao vice-campeonato brasileiro, ficou desempregado no mesmo dia em que recebeu o prêmio de melhor técnico da competição. Mas Abel sabia, e o torcedor colorado também sabia, que sua sétima passagem pelo clube tinha data para acabar, independentemente do resultado. Porque isso fora definido ainda em dezembro do ano passado, quando Alessandro Barcellos foi eleito presidente do Inter para o próximo triênio.
Barcellos chegou à presidência do clube gaúcho graças aos votos de 16,5 mil associados. Ele prometeu mudar a forma de gestão do Inter, cujo comando estava a cargo do mesmo grupo político desde o início do século. E uma das mudanças propostas está diretamente ligada ao futebol. “Agora a gente parte para um projeto novo, que muda a forma de jogar no clube, que traz as categorias de base como fundamentais para o presente e para o futuro, que considera a ciência de dados como fundamental para contratação, montagem de plantel, análise de desempenho e análise de jogo”, disse, nesta entrevista ao Estadão.
O dirigente fala em mudar a maneira como são geridas as contas do clube, mas ele também quer iniciar um debate para profissionalizar outra categoria: a dos árbitros de futebol. “Não é plausível que o negócio futebol, um entretenimento que movimenta mais de R$ 50 bilhões por ano no Brasil, tenha nas mãos daqueles que decidem o espetáculo, que decidem o jogo, pessoas hoje sem dedicação exclusiva”, afirmou Barcellos, que na reta final do Brasileirão apontou erros que teriam sido decisivos na disputa do título. “Todas as equipes foram prejudicadas e beneficiadas em algum momento”.
Como a direção do Internacional avalia o vice no Campeonato Brasileiro? O resultado final condiz com o que o clube demonstrou na competição?
Fizemos uma competição equilibrada entre primeiro e segundo turnos. Tivemos um início importante, no primeiro turno lideramos a maioria das rodadas, não saímos do G4 em nenhuma delas. Depois, no segundo turno, oscilamos um pouco mais, mas recuperamos na reta final quando já disputávamos uma competição só, já que tínhamos saído da Copa do Brasil e da Libertadores. Optamos pela estratégia de que cada jogo era uma decisão. Quando assumimos (a presidência) faltavam 13 rodadas para terminar, e nessas 13 rodadas o foco foi jogo a jogo. Isso fez com que conseguíssemos somar um volume de vitórias em sequência que o clube não havia feito nenhuma vez na história dos pontos corridos. Isso nos deu a condição de brigar pelo título até a última rodada. Foi um título disputado, trepidante, mas que infelizmente no último jogo nós não conseguimos fazer a nossa parte, que era uma vitória sobre o Corinthians. Essa foi a história da temporada mais atípica do futebol brasileiro, com pandemia, uma eleição do clube no meio do caminho. Tivemos que superar tudo isso. É importante destacar que teve eleição em outros clubes – posso citar aqui Corinthians, São Paulo -, e todos tiveram dificuldades em manter o rendimento, em brigar, sem ter interferência de eleição. O Internacional conseguiu ter um processo seletivo com unidade, de buscar manter o trabalho, manter a comissão técnica que estava aqui. Tivemos uma transição saudável. Isso ajudou a dar continuidade mesmo que tivéssemos pensamentos distinto em algumas questões. Tratamos de preservar o clube, porque achamos que a continuidade naquele momento era melhor.
Abel Braga foi escolhido o melhor treinador do Brasileirão, mas já se sabia que o senhor tinha acordo com o técnico Miguel Ángel Ramirez para depois do campeonato. Essa situação causou algum tipo de embaraço?
Não, nós tivemos uma condução muito boa nesse assunto. Crescemos na competição e demos condição total para que o Abel e sua comissão trabalhassem. Tivemos uma transição muito transparente, fruto de uma conversa que tivemos no último jogo do ano passado, na Bahia, eu já como presidente eleito. Conversamos, estipulamos método de trabalho. E, bom, teve o final de contrato, que tinha prazo determinado. Respeitamos o Abel, que superou uma marca no Internacional, é o treinador que mais jogos treinou a equipe, e inclusive isso não deixa de ser uma homenagem e ele. Mas entendemos que termina um ciclo e que começa outro. Olhando pra frente, recuperamos uma ideia que tínhamos lá atrás, no ano eleitoral. O processo, na nossa opinião, foi muito bem conduzido. É vida que segue. As portas sempre ficarão abertas para que o Abel, que é um colorado, possa continuar tendo no Internacional uma extensão de sua casa. Agora a gente parte para um projeto novo, que muda a forma de jogar no clube, que traz as categorias de base como fundamentais para o presente e para o futuro, que considera a ciência de dados como fundamental para contratação, montagem de plantel, análise de desempenho, análise de jogo. Esse é o Internacional que nós apresentamos como projeto no final do ano passado e que foi aprovado, na maior eleição de um clube de futebol no Brasil, por 2/3 dos votos. Era esse o compromisso que tínhamos com o nosso torcedor e aplicaremos a partir de agora.
O senhor fez críticas à arbitragem na reta final do Brasileirão e também publicou artigo pedindo a profissionalização dos árbitros. Mas a temporada 2021 já começou. O que o senhor acredita que possa ser feito no contexto atual?
(Com esse calendário) a gente quase não tem tempo de melhorar, de qualificar as questões que são necessárias, mas a gente levanta um debate. Se os clubes não se envolverem, com as federações e a CBF, dificilmente teremos ganho nessa pauta. Não é plausível que o negócio futebol, um entretenimento que movimenta mais de R$ 50 bilhões por ano no Brasil, tenha nas mãos daqueles que decidem o espetáculo, que decidem o jogo, pessoas hoje sem dedicação exclusiva. São, na verdade, amadores. Chegou a hora de se olhar pra isso de forma mais séria, na formação, na qualificação, nas ações, análise, desempenho e, principalmente, na profissionalização dos processos. É preciso critérios estabelecidos, claros e unificados para que não se tenham interpretações diferentes para lances idênticos, sob pena de a tecnologia simplesmente tirar a subjetividade do campo e transferir para a tela. Acho que isso inclusive faz perder transparência.
Mas o que se pode fazer?
No direito se tem a possibilidade de uso da jurisprudência, podemos ter jurisprudência também na decisão dos árbitros de futebol. Todas as equipes foram prejudicadas e beneficiadas em algum momento, mas sempre se fala quando as equipes se sentem prejudicadas. O que estamos propondo é mudar, discutir de forma mais aprofundada. Buscar exemplos de ligas europeias, que já trabalham nessa lógica, entendendo as questões culturais do Brasil, mas trazendo essa lógica. Senão vamos continuar tendo árbitro com quatro ou cinco lances idênticos ao da expulsão do Rodinei com o Flamengo no qual ele usou amarelo, ou quatro ou cinco exemplos de pênaltis iguais àquele que o árbitro marcou contra o Corinthians e o VAR retirou. Amanhã, qualquer clube do futebol brasileiro vai sofrer isso como Internacional sofreu, e fica por isso mesmo. Qual a maneira mais comum e mais fácil hoje? Entrar com pedido de impugnação, que aí o dirigente fica bem com a torcida. Mas o processo não dá em nada porque não tem base jurídica para mudar o resultado de campo. Todo mundo perde. E o dirigente, que quer dar sua satisfação ao torcedor, na verdade não conseguiu nada, apenas fez um teatro midiático. Defender o direito de seu clube é levar esse assunto a sério. A gente precisa fugir dessa discussão que às vezes é política, que é de eixo Rio-São Paulo, que é do Sul, essa coisa que se tem no imaginário. Isso afeta clubes de todo o Brasil, temos clubes grandes no Nordeste, agora subiu à Série A o Cuiabá, do Centro-Oeste. Chegou a hora de fazer essa discussão como um todo, para as Séries A, B, C e D. Porque isso afeta todo o futebol. Está se perdendo o interesse dos mais jovens, que estão olhando futebol americano, outros esportes, e se desinteressando ainda mais pelo futebol. E também dos investidores, que de alguma forma tem seu potencial de investimento reduzido.
Sobre isso, a situação financeira do Internacional é crítica, difícil, requer atenção ou está saudável?
Ela é muito difícil. É uma situação no limite do aceitável. Precisamos retomar isso, o Internacional tem uma dívida importante de curto prazo. Vinha reduzindo, mas acumulou um déficit em 2020 fruto também da pandemia. Estamos trabalhando nesta gestão com um objetivo maior, que inclui dois elementos: equilíbrio econômico-financeiro e resultado de campo. Não nos interessa ter equilíbrio econômico-financeiro sem resultado de campo, e também não nos interessa resultado de campo sem equilíbrio econômico-financeiro. Estamos trabalhando com todos os indicadores do clube, desde indicadores de balanço, financeiro, mas também indicadores de performance de nossos profissionais baseados nesta composição. Precisamos aumentar a receita do clube e estamos trabalhando fortemente em 2021. A gente fica refém da venda de atletas, mas nós consideramos essas como receitas extraordinárias. Nós temos que equilibrar as receitas ordinárias, recorrentes, com a despesa recorrente, como folha de pagamento, custeio, logística para jogos. Receitas com futebol deveriam virar investimento no futebol, mas hoje não é assim. O Internacional vem há mais de 20 anos numa outra lógica, a da venda de atletas, que acabava sendo usada para despesas de água, luz e telefone. Nós precisamos sair dessa lógica. A água, luz e telefone tem de que ser baseada em receita ordinária – televisionamento, sócios, patrocínio. Se o clube tem capacidade para gerar R$ 300 milhões em receitas recorrentes, as despesas ordinárias têm de ser no máximo de R$ 300 milhões. Agora, a receita que excede as despesas recorrentes, essa tem que ser revertida para o futebol. Enquanto nós não chegarmos nisso, que é o que alguns poucos clubes já chegaram no Brasil, nós vamos continuar num círculo vicioso. E a nossa meta é, até o terceiro ano de gestão, entrarmos num círculo virtuoso.
Quanto a ausência de torcida nos estádios impacta nessa questão?
Tivemos, pelos dados que nos foram passados na transição, uma queda próxima de 25% da nossa receita de sócios. E por que eu estou falando isso? Porque nossa receita com bilheteria, de venda direta de ingressos, representa de 5% a 6% da nossa receita. Nós temos um programa de sócio-torcedor que tem se mantido acima de 100 mil associados, o Internacional nunca baixou disso. Essa é uma receita recorrente que dá direito a ingresso no jogo para uma boa parte da torcida, ou então dá desconto. Então, como essa é uma receita recorrente, nós dependemos um pouco menos da bilheteria. Nossa queda de receita em relação a isso na pandemia é que muitos sócios acabaram ficando inadimplentes, o que impacta no caixa. A ideia é trabalhar muito a importância dessa questão. O Internacional tem por característica tratar o benefício principal do associado como o vir ao jogo. Então, o sócio que mora em São Paulo ou Rio, ou aquele que vem pouco ao estádio, se ele não tiver uma consciência colorada, ele para de pagar a mensalidade.
Como reverter isso?
Nós vamos tornar o Internacional o clube mais digital do Brasil. Nós vamos entregar conteúdo exclusivo para esses sócios. O sócio vai pagar R$ 25 por mês – é uma das categorias que nós temos -, o que significa o preço de um almoço, para ter material exclusivo no seu celular, para ter um atendimento diferente quando vier ao Beira-Rio, para ter acesso com uma logística diferente no estádio. Esse é o projeto para, em 2023, termos a manutenção de uma receita recorrente com 200 mil sócios. É nisso que a direção vai trabalhar.
Mas o Internacional consegue suportar mais uma temporada com estádios vazios?
Com certeza isso atrapalharia. Se eu tenho uma inadimplência alta num primeiro ano sem jogos, mesmo eu fazendo uma campanha de conscientização sobre a importância do sócio de manter sua obrigações em dia, num segundo ano sem jogos seria mais difícil. Isso gerará impacto nas nossas receitas e fará com que a gente tenha de construir outras formas para substituir essa receita. Sem falar no impacto indireto, não apenas a questão da bilheteria, mas também no fluxo de pessoas no Beira-Rio, na venda de produtos licenciados no dia de jogo.
Há espaço para contratações de peso? Taison será contratado?
O Internacional é um clube grande, um clube que participa do mercado de futebol de forma ativa, seja para trazer jogadores, seja para vender jogadores. Nós não saimos do mercado, nós trabalhamos sempre observando oportunidades, e também sendo provocados por outros clubes que se interessam, principalmente agora com a campanha que tivemos e a valorização dos nossos ativos. A gente avalia nossas necessidades dentro das condições financeiras. Eu já falei que são difíceis, mas se alguma negociação se encaixar nesse perfil, não hesitaremos em avaliar. Mas cada caso é um caso, não tem receita pronta. Nós não comentamos nomes específicos. Taison é um grande jogador, que tem demonstrado nas redes sociais o interesse em retornar ao Internacional, mas a gente também sabe que se trata de um grande jogador e muito valorizado. Então, essas condições para ele vir precisam existir de forma mais real. Taison já sabe disso, o Internacional já sabe disso, e vamos ver como as coisas vão se desenvolver.
O Internacional terá de priorizar competições este ano?
Não tem como. Nós precisamos ganhar títulos. Nós estamos há um bom tempo batendo na trave em títulos nacionais. Nós precisamos disputar o nosso regional aqui para ganhar, e o torcedor quer, os jogadores querem. É muito difícil não tratar essas competições com o foco para ganhar. Eu acredito muito que nós temos um trabalho aqui que se consolida mais a partir de uma nova ideia, de colocar o Internacional (em condições de vencer) nas competições que têm pela frente – Campeonato Gaúcho, Copa do Brasil, Brasileiro e Libertadores. Até porque o Internacional lutou muito por isso. Agora, tem que ver conforme as coisas forem se apresentando. Falando um pouco de fatalidade: tivemos quatro lesões graves em quatro jogadores importantes, no Guerrero, Saravia, Boschilia e Moledo. São fatos que não estavam no nosso planejamento, e que determinam ter de readequar algumas posições. Mas lá na frente a gente espera que tudo dê certo
A conquista do Brasileirão é uma obsessão?
Ah, rapaz… Depois de 41 anos, chegamos tão perto agora… Vamos continuar trabalhando. É um campeonato longo, em que temos que trabalhar para termos equilíbrio na performance e oscilar menos. Temos que trabalhar sabendo que os três pontos da primeira rodada são os mesmos três pontos da última rodada. Compreender isso num campeonato longo é um segredo importante pra se chegar à vitória. O Brasileirão é uma obsessão sim, mas mais do que isso, é um desafio que estamos prontos para enfrentar.
Autor: Marcio Dolzan
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