Economia
Bolsa fecha em baixa de 5,22%, acumulando perda de 45% no ano
A anomalia econômica persiste, sem prazo de definição, de forma que os mercados de ativos de risco seguem colhendo os prejuízos do coronavírus. Os BCs e governos continuam atuando, na ponta sanitária e na econômica, o que, por mais intensos e coordenados que sejam os esforços, aqui e no exterior, não têm sido o suficiente para conter o derretimento dos preços. Nos EUA, causou apreensão a segunda rejeição no Congresso do pacote enviado pelo governo Trump, de US$ 1,6 trilhão, contra os impactos do coronavírus – as negociações prosseguem.
O presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, defendeu nesta segunda-feira que os Estados Unidos precisam reduzir a produção à metade para conter a disseminação da coronavírus no país. Em comunicado, Bullard estimou que a iniciativa resultaria em queda de 50% no PIB americano no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior.
Por aqui, após ter acumulado nas duas últimas semanas suas maiores perdas desde outubro de 2008, o Ibovespa fechou nesta segunda-feira em baixa de 5,22%, aos 63.569,62 pontos, com Nova York registrando perdas de até 3% (Dow Jones) no encerramento da sessão. O giro financeiro totalizou R$ 24,9 bilhões, um dos mais fracos do período posterior ao carnaval, no qual os volumes e a volatilidade têm se mostrado mais acentuados.
No fechamento desta segunda-feira, o Ibovespa mostrava o menor nível desde 10 de julho de 2017, quando encerrou aos 63.025,46 pontos Na mínima da sessão, o Ibovespa foi hoje a 62.161,38 pontos e, na máxima, a 67.603,83.
Na ponta negativa, Hering (-17,19%) e Natura (-15,57%), duas ações do setor de bens de consumo. Entre as blue chips, Petrobras PN caiu 4,17% e a ON, 4,91%, com Vale ON em baixa de 3,10% no encerramento. Entre as campeãs do dia, Weg subiu 8,83%, Suzano, 5,15%, e Marfrig, 4,50%, três ações com exposição a receitas geradas no exterior, em particular na China, que vem normalizando a atividade após superar o pior momento do coronavírus. Destaque também para Pão de Açúcar, em alta de 6,92%, com o setor de supermercados parecendo ampliar as vendas com a formação de estoques domésticos pelos consumidores.
Desde o fim de semana, o governo brasileiro anunciou novas iniciativas para dar fôlego aos agentes econômicos e financeiros: abriu caminho para suspensão temporária de contratos de trabalho, uma redução de encargos e custos fixos que contribuiria para mitigar a suspensão de atividades e encolhimento de receitas – mas acabou recuando com relação aos salários, ante reação negativa do Congresso. De sua parte, o Banco Central decidiu reduzir a alíquota do compulsório para recursos a prazo, de 25% para 17%, medida que deve resultar na liberação de R$ 68 bilhões a partir da próxima segunda-feira, dia 30.
Apesar das iniciativas legais e macroeconômicas, a incerteza mesmo quanto à capacidade de sobrevivência das empresas durante o período de isolamento social continua a pressionar para baixo o preço das ações. “É possível que haja dificuldades agudas para as empresas muito antes de a curva da doença se acentuar. A incerteza é se a atuação do governo e do BC ajudará as empresas até que o coronavírus se dissipe”, aponta o analista Matheus Soares, da Rico Investimentos. “A grande dúvida é saber se essas empresas vão sobreviver até lá”, acrescenta o analista, observando que a incerteza também diz respeito a um cenário de recessão ou depressão, que pode inclusive levar as autoridades a reconsiderar a extensão do isolamento social determinado à população.
“A paralisia da economia também causa fatalidades. Talvez faça sentido, a partir de certo momento, manter isolados os grupos mais vulneráveis e permitir que a população ativa volte ao trabalho”, ainda que gradualmente, aponta o analista da Rico.
Com a B3 acumulando agora perdas de 38,98% no mês e de 45,03% no ano, e com os saques de investidores estrangeiros se aproximando em 2020 de R$ 60 bilhões, conforme dados referentes até a última quinta-feira, 19, há quem defenda suspensão do mercado até que um grau de normalidade retorne à economia. A iniciativa, contudo, é polêmica. “Fechamento da B3 se justificaria apenas por determinação do governo, no sentido de preservar os que são imprescindíveis à sua operação. Mercado não é só venda, não é só compra – seria injusto uma interrupção com base em preços”, observa Soares, da Rico.
Contudo, caso Wall Street assuma a liderança e suspenda os negócios, a situação seria diferente, apontam analistas. E há precedente histórico, inclusive por determinação do governo americano. Em 1914, no começo da 1ª Guerra Mundial, o então secretário do Tesouro americano, William Gibbs McAdoo (1863-1941), conseguiu fechar a Bolsa de Valores de Nova York por mais de quatro meses, quando se temia que os EUA abandonariam o padrão ouro, receio que resultou em depreciação acentuada do dólar nos mercados de moeda da época.
O evento é contado no livro “When Washington shut down Wall Street” (Quando Washington fechou Wall Street), de William Silber, editado pela Princeton University Press em 2007, portanto às vésperas da crise global de 2008-2009.
No livro, o autor observa que na última semana de julho de 1914, investidores europeus começaram a liquidar suas posições em Wall Street e transferir ouro para o velho continente, para financiar o esforço de guerra, que eclodiria no mês seguinte, agosto. A saída em massa de ouro dos EUA colocava em risco o pagamento de compromissos financeiros do país no exterior – na época, os EUA eram uma nação endividada, com um histórico de crises financeiras, entre as quais o pânico bancário de 1907 – e a incapacidade de pagar a dívida externa colocaria em risco o sonho, já então em gestação pelos EUA, de transformar o dólar em referência monetária global, observa Silber.
Assim, por determinação do Tesouro, os negócios foram suspensos em 31 de julho de 1914 – pouco antes dos “canhões de agosto”. As negociações de bônus só seriam retomadas em 28 de novembro de 1914, e as de ações locais, “sem caráter internacional”, apenas em 12 de dezembro – a totalidade dos negócios com ações recomeçou três dias depois, no dia 15 de dezembro, conforme o relato de Silber.
Autor: Luís Eduardo Leal. Com Simone Cavalcanti e Iander Porcella
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