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Teste genético para doenças raras em recém-nascidos avança no Brasil
A relações-públicas Bárbara Mazoni, de 28 anos, amamenta Rafael, de 6 meses, a cada três horas. A rotina é a mesma de qualquer bebê, a não ser por um detalhe: Rafael tem risco alto de desenvolver uma doença que inibe a liberação de glicose pelo corpo, de modo que o cuidado com sua alimentação é mais rigoroso. Quem olha para ele, gordinho e esperto, nem imagina. Bárbara só sabe porque submeteu Rafael a um teste genético logo que ele nasceu.
A adesão a testes genéticos em recém-nascidos sem sintomas cresce no Brasil. Exames desse tipo podem ser feitos nos primeiros dias de vida do bebê, com o tradicional teste do pezinho, e avaliam, em alguns casos, o risco de ele ter problemas de saúde nos próximos anos. Em outros, detectam condições de saúde já existentes, mas invisíveis a pais e médicos.
Rafael nasceu no tempo certo, cheio de saúde. Mesmo assim, Bárbara optou pelo mapeamento – e o exame detectou uma alteração genética. “Deu risco de glicogenose hepática. Nunca descobriríamos se não fosse pelo teste.” Rara, a glicogenose hepática pode causar hipoglicemia (baixo teor de açúcar no sangue) e afetar o desenvolvimento neurológico do bebê.
“A orientação é não desmamar na madrugada, tentar fazer com que se alimente de três em três horas.” Após o resultado, a mãe levou o pequeno para fazer uma bateria de exames complementares, como de glicose e até ultrassom. “Foi melhor ter a notícia agora porque eu ficaria desesperada se ele começasse a ter manifestações clínicas e eu não soubesse o que era.”
A indicação desses exames não é um consenso. Afinal, é melhor conhecer ou não os riscos de doenças em crianças que nasceram saudáveis? Se, por um lado, os resultados permitem saber as probabilidades e tomar medidas de prevenção, por outro o receio é causar ansiedade desnecessária nos casais.
“O teste do pezinho tradicional é ótimo e já salvou muita gente, mas tem limitações importantes. Hoje, no Brasil, só se faz teste para seis doenças, e um exame ampliado, que é particular, chega a 38”, diz David Schlesinger, diretor do Mendelics, laboratório que lançou em 2018 o Primeiro Dia, o exame que Rafael fez. “Focamos somente nas doenças que são absolutamente tratáveis e graves. Não estamos dizendo cor de olho azul ou verde ou doença de Alzheimer quando tiver 80 anos.”
O teste da Mendelics analisa 287 genes ligados a 150 doenças graves e raras, entre elas hemofilia e um tipo de câncer ocular que acomete crianças. Todas, segundo Schlesinger, podem se manifestar ainda na infância. Nas mãos dos pais, o resultado não é um diagnóstico. O exame pode indicar alto risco para determinado problema de saúde. A partir disso, os casais devem procurar especialistas para monitorar o quadro e propor medidas para prevenir ou contornar sintomas, caso eles apareçam.
DNA
Diferentemente do teste do pezinho, a amostra de DNA é coletada da bochecha do bebê. Ainda pouco conhecido no Brasil, o exame foi adotado primeiro por uma maternidade em Belo Horizonte, o Mater Dei, em setembro de 2017. Patologista clínica do Mater Dei, Flávia Cerqueira diz que foram feitos cerca de 400 exames. “Já tivemos resultados que podemos dizer que salvaram vidas.” Um deles, conta, se refere a uma criança diagnosticada com a doença de Wilson, em que há acúmulo de cobre no organismo, comprometendo órgãos vitais.
Maternidades de São Paulo, como o Hospital São Luiz, também já sugerem o exame a alguns casais. “Do ponto de vista epidemiológico, são patologias raras, mas, quando você vê pelo ponto de vista individual, se esse raro for o seu filho, quanto mais cedo for o diagnóstico, mais se ganha na luta contra o tempo”, diz Miriam Rika, neonatologista da unidade do São Luiz no Itaim. No hospital, o exame é indicado principalmente para bebês internados na UTI.
O Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, referência em doenças raras, fechou uma parceria com o laboratório. Lá, porém, o exame é usado em crianças que já apresentam algum sintoma. A ideia é identificar qual mutação genética está associada ao problema – e, assim, dar início ao melhor tratamento. Segundo Mara Lúcia Santos, neuropediatra da unidade, economiza-se tempo. “Pedia-se um exame para suspeita de uma doença e, se não era aquela, tinha de fazer outro.”
Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, a geneticista Temis Maria Felix diz que o exame não substitui o teste do pezinho tradicional. “Ainda não há evidência na literatura de que o (teste) molecular se sobreponha ao convencional, além dos custos serem completamente diferentes.” O preço do Primeiro Dia é de R$ 1.190 – já o teste do pezinho básico é gratuito. Além disso, diz Temis, é necessário um aconselhamento genético prévio. “A pessoa tem de saber o que vai receber.”
Para Armando Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo, esses exames, nem sempre conclusivos, podem ser fonte de preocupações sem necessidade. “Se faço uma varredura ampla genética, vou achar uma série de alterações que provavelmente nunca vão se manifestar na vida inteira. O que faço com essa informação? Se entrego à família, estou entregando a angústia”, diz Fonseca, que também é diretor-presidente do DLE Genética Humana e Doenças Raras.
SCID e Agama
Há cerca de dois anos, outro exame genético vem sendo incorporado ao teste do pezinho em recém-nascidos. O método é o mesmo: uma gotinha de sangue do pé do bebê. O novo mapeamento encontra falhas no sistema imune das crianças.
O teste para SCID e Agama (siglas para duas imunodeficiências) detecta recém-nascidos que não têm células de defesa suficientes e, por isso, correm risco de infecções. “A utilidade é fazer o diagnóstico precoce e evitar que as infecções se instalem”, diz Antônio Condino Neto, assessor técnico em Imunologia da Apae-SP.
A Apae tem parcerias com maternidades de todo o Brasil – em São Paulo, por exemplo, o Grupo Santa Joana indica o teste, que sai por R$ 200.
Em janeiro do ano passado, 45 crianças haviam sido triadas; em junho, o número subiu para 92 e, em novembro, para 275 crianças. Ele ainda não está disponível no sistema público e não entrou no rol dos planos. “O que a gente gostaria é que o acesso fosse ampliado tanto no SUS quanto nos planos de saúde”, diz Condino Neto.
O teste também é realizado pelo DLE Genética Humana e Doenças Raras, do grupo Pardini. “Trata-se de uma urgência pediátrica”, diz Armando Fonseca, diretor do DLE e presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo.
Sem imunidade
Samuel, de 2 anos, não passou por esse exame na maternidade. “Ele nasceu normal, gordinho, e no hospital deram a vacina BCG (tuberculose). Depois de uns dois meses minha mulher viu que estava amarelo, com manchinhas na testa”, conta o professor Ricardo Evangelista, de 44 anos. Era uma reação à vacina.
Um hemograma detectou o motivo da reação. “A médica falou: ‘Esse menino não tem imunidade'”, lembra o pai. E o teste genético, enfim, acusou a imunodeficiência, distúrbio raro.
Samuel teve de ficar internado enquanto a família buscava um doador de medula. Acabaram descobrindo, nos EUA, um tratamento novo, que estimula o corpo a fabricar as células de defesa. Com máscara no rosto, o menino viajou com os pais – e deve continuar o acompanhamento, nos próximos anos. Hoje, Samuel está bem, em casa, e continua sob cuidados. “Se tivesse feito esse teste, não daria a vacina. Evitaria muita coisa.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Júlia Marques
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