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Médico morto em latrocínio dedicou carreira a pacientes pobres por causa do pai
“Queria que você fosse médico, mas médico de verdade, não esses médicos que não têm coração, mas que atenda bem o doente, um médico amoroso”. Roberto Kunimassa Kikawa, de 48 anos, ouviu essa frase do pai há mais de 20 anos e nunca deixou de repetir. Em entrevistas, costumava lembrar que a morte prematura do progenitor, de câncer, lhe inspirou a levar atendimento humanizado a quem mais precisa.
Morto no sábado, 10, em um assalto, o “Dr. Roberto”, como era chamado, criou instalações móveis de atendimento gratuito à população em situação de vulnerabilidade, conhecidas como Carretas da Saúde, e que depois deram origem à Van da Saúde e ao Box da Saúde. O trabalho foi realizado pela organização não governamental (ONG) CIES Global, que começou com apoio privado e depois passou a firmar parcerias com o setor público. A unidade mais nova havia sido inaugurada na quarta-feira, em São José dos Campos, no interior paulista.
Gastroenterologista, o médico costumava ressaltar que o projeto era “replicável” e de fácil adaptação, pois somente precisava de uma área plana e com acesso a um ponto de água, outro de eletricidade e mais um de esgoto. “Minha missão pessoal é que menos pessoas atingissem o estágio que o meu pai ficou, estágio avançado, sem ter chances de uma condição melhor de tratamento”, declarou, em vídeo de divulgação do CIES.
Quando jovem, chegou a estudar Teologia e pretendia ser um médico missionário na África. Os planos foram deixados de lado, contudo, ao fazer um atendimento voluntário na zona leste de São Paulo. “Ali descobri uma África em São Paulo e que a gente não estava vendo”, declarou anos atrás, também em vídeo da CIES.
Em dez anos, a ONG atendeu a mais de 2 milhões de pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo e no interior. O projeto também ganhou espaço no exterior, com unidades no Paraguai, na Colômbia e nos Estados Unidos. Kikawa vivia desde 2016 em Atlanta, com a mulher, a oftalmologista Mirna, e os filhos Daniel, de 15 anos, e Ana, de 13. O médico também chegou a trabalhar também nos hospitais Sírio-Libanês e São Camilo. Além disso, criou instrumentos e métodos para reduzir sangramentos e diminuir erros durante cirurgias.
Amigos e parentes lembram de legado
Kikawa foi enterrado pouco depois das 16 horas no Cemitério da Consolação, na região central de São Paulo, após a celebração de um “culto de despedida” em uma igreja evangélica na zona sul. Mais de 200 pessoas, dentre médicos, funcionários, amigos e parentes, prestaram homenagens no cemitério.
Durante o enterro, foi rezado um Pai-Nosso e os presentes bateram palmas. Muitas pessoas comentavam sobre o legado e a “grande família” que Kikawa, filho único, criou por meio do seu trabalho social. Na cerimônia, o diretor de Comunicação da CIES, Ricardo Lauricella, que trabalhava há 10 anos na ONG, lembrou que o médico se preocupava em criar “multiplicadores”. “Ele estava muito preocupado que não se resumisse só a ele. São mais de 506 colaboradores CLT e 180 médicos especialistas”, disse Lauricella ao Estado.
Um dia antes de morrer, o médico havia anunciado internamente que havia fechado um acordo com o governo da Nigéria para instalar uma carreta da saúde no país. “Finalmente colocamos o pezinho na África. Ela tinha esse simbolismo de quando ele falou ‘vou ser missionário na África até descobrir que tinha pequenas Áfricas no Brasil.”
“Recebi muitas mensagens não só de investidores e parceiros, mas de muitos pacientes agradecendo, pedindo para o projeto não acabar e se colocando à disposição”, conta Lauricella.
As homenagens também foram feitas nas redes sociais. Em uma publicação no perfil oficial do CIES Global, uma mulher escreveu que o médico “ajudou muito a nossa família em um momento muito difícil”. “Muito triste, é como se fosse da minha família”, escreveu outro, no perfil do Facebook.
Kikawa costumava dizer que o atendimento deveria ser feito com o “DNA do amor”. Segundo relatos, no lugar dos 15 minutos costumeiros em muitas clínicas e postos de saúde, o médico costuma passar muito mais tempo nas consultas.
Ao jornalO Estado de S. Paulo, funcionárias falaram que ele ajudava em todas as funções, desde arrumar uma cadeira até a desvirar um toldo em dia de ventania.
“Ele queria o melhor atendimento no SUS como se fosse no melhor hospital. Exigia ter a tecnologia dos grandes hospitais nos nossos serviços”, diz o coordenador de Oftalmologia da CIES, Edmilson Mariano.
“O paciente chegava na porta e ele falava: ‘Oi, tudo bem. Por favor, senta aqui'”, lembra. “Ele queria que se resolvesse tudo, ou pelo menos 90% ali, na hora, não dar papel para o paciente marcar exame lá na China”, afirma.”Ele fazia tudo e dava bronca se precisasse. Para
Autor: Priscila Mengue
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