Variedades

Uma boia de salvação

31/05/2018

Enquanto o problema da imigração assola as fronteiras da Europa, as artes e o teatro têm buscado encontrar no universo do possível a fração mais poderosa e permanente de existir no mundo. Em Lampedusa, do autor e ativista britânico Anders Lutsgarten, o fim de um sonho emerge na vida de um pescador italiano, que recolhe corpos de migrantes vindos da África. A peça é apresentada de quinta, 31, até domingo, 3, na programação do Cultura Inglesa Festival.

Em entrevista, o artista que iniciou sua carreira militando contra o “colonialismo corporativo” de instituições como o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimento a quem chama de “verdadeiros invasores coloniais do século 21”, encontrou na dramaturgia uma chance de entender o mundo além do próprio ponto de vista, movimento estranho a um teatro contemporâneo que parece ter trocado o drama pelas próprias opiniões. “O teatro exige que você entenda o mundo de múltiplas perspectivas, incluindo aquelas que você despreza.”

Se nos EUA não existe subsídio público para as artes cênicas, a Grã-Bretanha e o Brasil compartilham modos de produção parecidos. Em São Paulo, os editais que viabilizam a criação cênica são os mesmos que libertaram as companhias da bilheteria, o que, muitas vezes, significa que o palco prescinde do público para brilhar. “O problema com o teatro é financeiro”, afirma Lutsgarten. “Há tantas pessoas que precisam ser pagas, os técnicos de palco, os marceneiros, os camareiros, e toda a equipe, assim como os atores. No final do dia, há muito menos dinheiro envolvido nesse formato. Mesmo assim, o teatro ainda permite que você conte uma história que seja barata e direta e onde a realidade apaixonada se desenrola bem na sua frente.”

Dentre suas criações, Lampedusa faz jus a esse formato. A montagem brasileira dirigida por Luiz Fernando Marques narra a história de um pescador italiano que passa a recolher corpos de imigrantes e de uma britânica com descendência asiática que trabalha numa empresa de empréstimos. Quando a peça estreou em Londres, o autor recorda do relato de parte da plateia, entre eles, refugiados da Eritreia, país do nordeste africano, citado na montagem. “Era um grupo de pessoas, muito bem vestidas. Eles agradeceram por representá-los não como vítimas ou como parasitas, mas como pessoas verdadeiras”, conta.

Para o autor, as diferentes versões da peça que estrearam pelo mundo conservam um núcleo especial, que muda pouco e que parece traduzir uma necessidade mais urgente. “A sensação de isolamento e amargura que os personagens experimentam e a possibilidade de esperança e compaixão parecem universais.”

No ano passado, Lutsgarten esteve em São Paulo, testemunhou parte da cultura teatral e creditou aos artistas grande consciência sobre temas e assuntos discutidos. Mesmo assim, ele afirma que o teatro paulistano repete vícios e preocupações que podem impedir ou atrasar a revelação de grandes autores e suas obras. “Se eu tenho uma crítica: o estilo das peças era muito abstrato e preocupado com a forma. Talvez seja apenas o meu gosto, mas 99% das peças que experimentam a forma a fazem porque o autor não tem ou não conseguiu encontrar algo interessante para dizer. Isso é resultado de gastar tempo demais pensando em teatro ou nos seus pares.”

LAMPEDUSA
Teatro Cultural Inglesa. R. Dep. Lacerda Franco, 333. Tel.: 3814-0100. 5ª, 6ª, sáb., 21h. Dom., 19h. Estreia hoje, 31. Grátis. Até 3/6.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Leandro Nunes
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