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Entre a razão e a fé
Quando o filósofo francês René Descartes (1596-1650) cogitou “Penso, logo existo”, utilizando-se da racionalidade do pensamento humano, não imaginou que antes dele, em Assis, na Itália, um jovem de apenas 30 anos de idade, conhecido como o “pequeno francês” já havia percorrido essa trilha com sua sensibilidade, ao ponderar: “Sinto, logo existo”. Sim! Nesse contexto, São Francisco de Assis (1181-1226), fazendo uso do “caminho do coração”, mais próximo da Sabedoria Divina, tivera a inspiração de sentir mais do que pensar. Aliás, o esforço de desenvolver ternura, caridade, cordialidade e amor estão mais próximos do sentir que do pensar.
Se René Descartes, com base na racionalidade do pensamento, foi capaz de crer na Existência de Deus e na Imortalidade da Alma. São Francisco, por sua vez, desnudando-se de vaidades e de paixões do corpo e da alma, foi muito mais além, pois, penetrando nos mistérios do sentimento humano, fez-se comungar diretamente com o Eterno, a ponto de transferir para si toda a dor, sofrimento e morte do Cristo Crucificado. E, não é lá só isso, São Francisco de Assis comungava com todas as criaturas do mundo.
Segundo seus biógrafos: “ele se enchia de inefável gozo todas as vezes que olhava o sol, contemplava a lua e dirigia sua visão para as estrelas e o firmamento… quem pode imaginar a alegria transbordante de seu espírito ao contemplar a beleza das flores, a constituição de sua formosura e a fragrância de seus aromas… dava o doce nome de irmãs a todas as criaturas… em qualquer objeto admirava o seu Autor e em todos os acontecimentos reconhecia o Criador…”.
Na pobreza, São Francisco de Assis sentia alegria! Uma alegria espiritual, irradiada pelo Espírito Santo de Deus. Um amor puro, sem interesse ou pretensão. É sua a frase que diz: “O Santo triste é um triste Santo”.
Para São Francisco não só a Alegria espiritual, mas também a Cortesia é fundamental na vida de toda criatura humana. Dizia ele: “A Cortesia é Divina. Deus é cortês, porque dá o sol, a chuva aos bons e aos maus, aos justos e aos injustos”. Por isso, pode-se dizer que a lógica de São Francisco é a lógica do coração, da sensibilidade, da pura emoção. Na visão cristã e profética, quanto mais nos damos, mais ricos ficamos na graça, na cordialidade, na humanização de nossas vidas. Para ele, ser livre é ser desapegado, é não ser prisioneiro das coisas do mundo. Afinal, nada nos pertence, nem mesmo os filhos. Nós somos apenas administradores dos “bens” do Pai Eterno. Enquanto Descartes acreditava que “sentir não é conhecer e, a bem dizer, não há conhecimento do sentir”, logo, não há conhecimento pelo sentimento. Francisco faz-nos crer que sem sentimento (espírito) misericordioso e compassivo não se pode viver alegre e ser feliz, porque vida sem doação, sem fraternidade, não tem sentido.
Foi observando as lições de São Francisco de Assis e conhecendo os estudos de René Descartes, que buscava “um conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida”, que Frei Damião (1898-1997) ingressou num Monastério Franciscano; ordenou-se Sacerdote; deixou sua terra natal (Bozzano) na Itália e fez morada definitiva no Brasil, ao lado de Frei Fernando Rossi, outro capuchinho franciscano, nascido em terras italianas (Carrara). Em seus conselhos, pregando o “caminho da conversão cristã”, dizia o Missionário do Nordeste: “Vivemos hoje como se eterna devesse ser nossa morada sobre a terra. Que outra coisa faz a maior parte de nós? Grande parte da vida a empregamos em fazer o mal. Outra grande parte, em nada fazer. E toda ela, em fazer aquilo que não deveria ser feito, em pecados, prazeres sinistros, desonestidade, conversas supérfluas, danças, jogos, divertimentos.
Corremos atrás dos bens efêmeros da vida até merecermos a condenação eterna”. Tal como São Francisco, Frei Damião viveu e pregou. Deixou sua obediencia como herança para os homens de boa vontade. Enquanto São Francisco, ao se despedir do mundo, confessou: “eu me parto de vós como pessoa, mas vos deixo meu coração”, Frei Damião ponderou: “Não sou diferente de ninguém, apenas alguém que escuta Deus mais que os outros”. A Obediencia da Criatura perante seu Criador foi o “legado” deixado por esses homens de fé… Pensemos nisso! Por hoje é só.
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