Variedades
Faces de um mestre
Pode não ter nada a ver, mas o documentário de Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro sobre o ator Paulo José – Todos os Paulos do Mundo -, chega aos cinemas no momento em que também acaba de estrear, em São Paulo (já houve, antes, uma temporada carioca), o musical de Tadeu Aguiar sobre Bibi Ferreira. Estrela maior dos musicais, de My Fair Lady à Dulcineia de O Homem de la Mancha, Bibi está no centro de um espetáculo cantado, dançado e montado com capricho. Paulo José, homem de cinema, TV e teatro, ganha um filme que revisita sua carreira imensa.
A ideia, explica Rodrigo, “sempre foi fazer um filme e usar a ficção para a iluminar um pouco o que significa a realidade do Paulo, da infância até hoje. O homem, pelo artista. A gente (Gustavo e ele) confiava que havia ali nas coisas que ele fez, ao longo da vida, um trajeto de refundação da própria origem. É possível mostrar o que significa ser um homem brasileiro em cada uma dessas fases dele e também como o Paulo foi, e continua sendo, múltiplo”.
Rodrigo já contou, na capa, como mostrava os filmes de Paulo José quando era monitor no curso de cinema brasileiro na UFF, a Universidade Federal Fluminense. Depois, assistiu a uma retrospectiva bem completa. “Tem coisas que aprendi com o Paulo, vendo os filmes dele. E não era uma coisa 100% consciente. Quando comecei a fazer meus filmes, dei-me conta de que pedia aos atores coisas que eu vira no Paulo. Não sei de muitos atores, no Brasil e até fora, que tenham essa grandeza. O Paulo talvez seja uma raridade, uma exceção. Possui uma obra – a body of work, como se diz. E ele reflete sobre isso. Na Babel que é o mundo, Paulo, como ator, usa seu instrumento – o corpo -, para que a gente entenda o homem brasileiro. Filmes como O Padre e a Moça, Vida Provisória e Macunaíma são definitivos.”
Rodrigo está citando filmes de Joaquim Pedro de Andrade, de Maurício Gomes Leite e Joaquim Pedro, de novo. Nem está citando Domingos Oliveira – Todas as Mulheres do Mundo, Edu Coração de Ouro, A Culpa. Não são muitos filmes, mas mostram como os dois se completaram. O diretor e seu alter ego. Domingos sempre foi um romântico, para quem uma mulher será sempre uma mulher. Uma? Todas as Mulheres – Leila, Leila, Leila Diniz. Pode-se citar todas as demais atrizes míticas com quem Paulo contracenou (e estão no filme). Anecy Rocha, Helena Ignez, Dina Sfat. Com essa Paulo também se casou. O ator José foi sempre um fascinante objeto de estudo para Rodrigo. Um dia ele discutiu isso com a produtora Vânia Catani e descobriu que, se havia um culto a Paulo, ela era sacerdotisa. A ideia de um filme começou a nascer. Gustavo Ribeiro foi incorporado. “A gente só se conheceu no dia em que assinou o contrato, mas nunca houve problema, divergência. Sabíamos o Paulo que cada um amava – era o mesmo! Antes mesmo de nascer o filme, a gente já tinha o título como um conceito – Todos os Paulos do Mundo. Foi a nossa bússola.”
E Rodrigo faz uma reflexão importante. “O mais incrível do Paulo é essa consciência que ele tem de estar sendo filmado. Ele é a própria encarnação de uma coisa que me fascina muito, que é a fronteira entre o que é natural e o que é artifício. Acho que é uma coisa que está nos meus filmes – As Horas Vulgares, Teobaldo Morto, Romeu Exilado e está na própria persona do Paulo. Só espero que revendo essas cenas que estão no meu, no nosso imaginário, as pessoas se deem conta de quanto Paulo é necessário. Do galã ao herói pícaro, ele tem diversos rostos que representam o Brasil inteiro.”
Todos os Paulos do Brasil, do mundo. “Adoro a frase dele – o Brasil faz o melhor cinema brasileiro do mundo”, diz o codiretor. “Espero que ajude a resgatar filmes que ainda estão à espera de reconhecimento, como o do Gomes Leite. Vida Provisória é um grande filme.” O repórter concorda. Está em seu panteão. Há uma frase do Paulo que, no filme, é dita por Helena Ignez. “O ator precisa estar habitado por dentro.” É a sensação que Paulo passa – a de alguém que dá uma alma a seus personagens. Num momento de tanta divisão da história do Brasil, talvez seja bom voltar a esse homem que nos une. Paulo é nós.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Luiz Carlos Merten
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