Política
‘Sem Lula, esquerda não tem candidato’
Mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso e, a partir de 2019, com um novo presidente eleito, o Brasil seguirá dividido e longe da normalidade, avalia o historiador José Murilo de Carvalho.
Estudioso das mudanças e reviravoltas que, ao longo dos séculos, marcaram a política nacional, o pesquisador afirma, porém, que mesmo na prisão Lula poderá ser um ator político importante. Já o PT não vai – “nem deve”, pondera – desaparecer, mas precisará se refundar. Ele também vê poucas semelhanças entre a situação de Lula e a do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), investigado em inquéritos policiais militares na ditadura. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Há quem compare Lula ao caso de Juscelino na ditadura. São situações análogas?
Não muito. O ódio contra JK era devido à sua aproximação com o varguismo, vinculado, segundo militares e líderes udenistas, ao comunismo, embora tivesse sido acusado também de corrupção, coisa nunca provada. (JK) Foi preso, humilhado, sujeito ao arbítrio dos inquéritos policiais-militares. A natureza política da ação contra ele era inegável. Agora há também alegações de viés político na condenação de Lula, mas sem a obviedade do caso de JK. E não há IPMs (Inquéritos Policial Militar).
O que se abre agora, para a campanha de 2018, com a prisão do ex-presidente?
Se Lula de fato não puder concorrer – tudo é possível neste país – e dada a rejeição pelos grandes partidos, o maior beneficiário será o candidato de extrema-direita, segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto. Um panorama preocupante, pois lembra a vitória de (Fernando) Collor (presidente de 1990 a 1992, quando foi derrubado por impeachment). Sem Lula, a esquerda não tem candidato viável. Se quiser competir para valer terá que fazer alianças ao centro. No centro, também não há candidato convincente. Enfim, mais instabilidade, menos concentração na tarefa de retomar o crescimento.
A prisão de Lula encerra uma era na política brasileira?
Prisão de ex-presidente por crime comum é fato inédito em nossa história. Mas não sei se irá encerrar o ciclo iniciado em 1985. Será mais um tropeço, como o foram os dois processos de impeachment.
Mesmo preso, Lula poderá influenciar o processo eleitoral?
Sem dúvida. (Eurico Gaspar) Dutra, depois de depor (Getúlio) Vargas em 1945, embora fosse um “poste” eleitoral, ganhou as eleições em função do anúncio do endosso de Vargas: “Ele disse!”. O PT não tem candidato viável sem Lula, mas o apoio dele a outro candidato pode fazer diferença. Há uma diferença entre o PT de hoje e o PTB de Vargas. O último sobreviveu e cresceu mesmo sem o carisma do chefe. O PT ainda depende demais do carisma de Lula.
Com a prisão do ex-presidente, o petismo e o lulismo tendem a desaparecer ou a se reduzir?
O PT não vai, e não deve, desaparecer. Precisamos de um forte partido de esquerda para a saúde de nossa democracia. Mas ele terá que por os pés no chão e começar um processo de refundação, inclusive para reduzir a dependência de Lula.
As pressões exercidas sobre o Supremo tiveram peso na decisão dos ministros de liberar a prisão de Lula?
Sem dúvida. Refiro-me, sobretudo, à declaração do comandante do Exército feita na véspera. Nenhuma corte está isenta de pressões externas, por mais que alguns juízes queiram acreditar nisso.
Como analisar a manifestação do comandante do Exército?
A declaração foi infeliz e intempestiva. A Constituição diz que as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais. A intervenção no Rio para garantia da lei e da ordem, ordenada pelo Executivo, foi perfeitamente constitucional. A declaração do comandante, sem que houvesse ameaça aos poderes constitucionais, foi política e inadequada.
Isso não evoca o passado do regime militar?
Nas décadas de 1950 e de 1960, declarações de chefes militares, individuais ou coletivas, eram frequentes e culminaram nas quedas de Vargas e de Goulart. Não creio que haja ameaça de intervenção militar na fala do comandante, mas suas declarações revivem velhos fantasmas.
Os militares podem voltar a ter peso na política?
Um dos pontos positivos das crises da República iniciada em 1985 foi a neutralidade política mantida pelas Forças Armadas. Seria um enorme retrocesso democrático se essa neutralidade fosse rompida. Resta saber se os comandos da Marinha e da Aeronáutica compartilham a posição do comandante do Exército.
A crise política chegou ao STF?
Até pouco tempo, o STF era o poder da República menos atingido pela descrença dos cidadãos. Não é mais. Suas hesitações e contradições, os conflitos e bate-bocas entre ministros, a loquacidade de seus membros fora dos autos, tudo isso tem contribuído para o desgaste da instituição. Muito ruim para a saúde da República.
Esse processo de politização tem volta?
A judicialização da política não é fenômeno apenas brasileiro. Mas aqui ela tem adquirido dimensões preocupantes. Juízes e promotores não são eleitos, não são representantes dos cidadãos. O vácuo de poder gerado pelo descrédito dos outros poderes e dos partidos políticos é que tem incentivado o ativismo judicial. Só a extinção do vácuo poderá sanar o mal.
A eleição de 2018 pode levar o Brasil de volta à normalidade?
Com ou sem Lula, as eleições não trarão de volta a normalidade. O próximo presidente, seja quem for, terá que construir sua base parlamentar, fazer os velhos acordos de sempre e não terá forças, ou vontade, de fazer as reformas de que o País necessita para retomar o crescimento e para atacar o problema máximo do País que é a redução da desigualdade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Wilson Tosta
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