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Ao mestre com carinho
Sou um escritor temporão. Com uma vida intensa e atribulada, gostava, aliás, ainda gosto de contar minhas histórias, aventuras, em que fui testemunha, principalmente a época em que servi 17 anos no Exército Brasileiro, vivenciei muitos fatos durante a Revolução ou Golpe de 1964 quando eu era tenente na 2ª Companhia de Guardas, tropa de elite do IV Exército, Recife.
Alguns amigos me incentivavam a escrever essas histórias, até que em 2001, aos 61 anos atendi ao apelo, escrevi e lancei meu primeiro livro, CONFISSÕES DE UM CAPITÃO que teve uma inesperada repercussão. Em decorrência desse sucesso fui convidado a escrever uma coluna dominical, a qual mantenho até hoje publicada em vários jornais e sites, Histórias do Velho Capita, são pequenos contos inspirados na vida real.
Com esse trabalho literário já estava me achando escritor, quando, em uma Bienal do Livro em Maceió, assisti uma Oficina de Raimundo Carrero, a partir dos ensinamentos do Mestre, mudou minha visão de literatura. Aprendi e tenho me aprimorado com os ensinamentos de Carrero desde aquela oficina. Primeiramente li seus livros, seus romances secos e salgados como sua cidade Salgueiro no sertão Pernambucano.
“Segredos da Ficção”, por exemplo, é livro de cabeceira e de consulta de qualquer escritor e aprendiz de escritor. Carrero mostra a riqueza da ficção, da criatividade e que a insistência, a perseverança é tão ou mais importante que a inspiração. Escrever é trabalho, disciplina, para se aperfeiçoar não pode ficar esperando a inspiração. Carrero mostra que todos os grandes autores, em todos os tempos, em todos os séculos, tiveram seus estilos, sua identidade, com muito rigor e disciplina na criação de seus universos.
A análise do próprio Carrero é uma aula:
“A literatura se realiza, assim, no plano dos signos e das insígnias. E quando se trata de literatura, é preciso estar atento. Quando escrevi “A história de Bernarda Soledade”, que marca o início da minha vida literária, queria, com certeza, me engajar no Movimento Armorial, mas precisava de elementos para criticar a opressão e o medo, sem necessariamente fazer um discurso jornalístico ou ensaístico. Era, também, e ao meu modo, uma crítica ao regime autoritário vigente.
Por isso fui buscar os elementos da cultura popular nordestina. Nada mais enriquecedor e verdadeiro. Segui, de propósito, as lições do mestre Ariano Suassuna, de quem sou discípulo orgulhoso. Usei, em primeiro lugar, a figura feminina de Bernarda para evitar o lugar-comum do coronelismo sertanejo, de forma a criar uma imagem do poder e, mais ainda, da sedução do poder. Bernarda impõe o que ela chama de ordem, exige que todas as terras e que todos seus animais sejam seus. Torna-se dona de todos os homens e de todas as mulheres. Além disso, os animais têm vida depois de mortos. Uma história metafórica, que a editora francesa chama agora de “um western brasileiro, com toques de realismo mágico”.
O que importa, para mim, é que a literatura, a verdadeira e sagrada literatura, se realiza no plano artístico do simbólico e do metafórico, tornando possível o sonho e a ilusão.”
Embora não tenha amizade mais próxima com esse brilhante pernambucano, tornei-me seu aluno lendo tudo alcance.
Continuo aprendendo com Raimundo Carrero quando ele escreveu recentemente para o jornal paranaense, Rascunho, a crônica, “Personagens. O que há em seu Nome?” Carrero nos ensina em um trecho: “Sabemos que, modernamente, o personagem não é o autor, é apenas o personagem, o que, é claro, provoca muito debate e muitas divergências. E citações equivocadas. Algumas pessoas dizem que a frase “Viver é perigoso” é de Guimarães Rosa. Não é verdade.
Quem diz é Riobaldo, o narrador de Grande Sertão: Veredas. este é o conflito permanente de leitores de ficção. Numa obra de ficção, o narrador é o principal personagem do escritor porque este texto diz respeito a ele e não ao autor. Este é um aspecto delicadíssimo, uma estratégia absolutamente técnica, onde o autor pode se esconder para dizer o que quiser.”
Hoje, aos 78 anos, vou lendo e aprendendo com o Mestre Carrero.
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