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Lágrimas, elogios e aplausos em Berlim para longa de Van Sant
Esqueça o Gus Van Sant experimental, avesso a normas narrativas de Elefante (2003) ou Last Days (2005): Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot, o novo longa do cineasta americano de 65 anos, exibido nesta terça, 20, no Festival de Berlim, é daqueles dramalhões sobre perseverança, com pinta de autoajuda, de empapar lenços a choro e de disputar indicações para o Oscar. Joaquin Phoenix aqueceu o frio berlinense no papel do cartunista John Callahan (1951-2010), um alcoólatra que fica tetraplégico após um acidente, sendo obrigado a driblar múltiplos traumas em sua alma.
Quando a projeção para imprensa acabou, uma fileira de olhos marejados, acompanhados dos aplausos mais calorosos (e longos) recebidos até agora por um concorrente aos prêmios do evento, faz dessa produção um dos mais fortes candidatos ao Urso de Ouro de 2018. Com o elenco estelar que tem, como apoio a Joaquin – Rooney Mara, Jack Black e um surpreendente Jonah Hill, magrinho, fazendo drama -, o filme, previsto para estrear em julho nos EUA, pode ser o título de maior sucesso comercial entre os longas na briga por troféu na Alemanha. Ele já chegou aqui precedido de boas resenhas, obtidas em sua passagem por Sundance, em janeiro.
“Trabalhamos a partir do livro de Callahan, e seus desenhos muito populares na internet, mas a preocupação era tentar ser o mais fiel possível aos fatos da vida desse artista provocador, abalado pelo álcool”, disse Van Sant, acompanhado por um mal-humorado Joaquin, que destratou jornalistas e virou as costas para eles, num dado momento de enfado. “Detesto festivais e responder a perguntas”, admitiu o ator, indo da ironia à fofura, tentando transmitir toda a dor de Callahan.
Há três anos, Van Sant sofreu um baque em sua carreira ao ser vaiado em Cannes ao fim da projeção de The Sea of Trees, uma investigação metafísica sobre a morte, que chegou ao Brasil apenas em DVD e na TV. Mas a boa acolhida a Don’t Worry – que segue uma linha moral atípica para os padrões do diretor de Drugstore Cowboy, um dos primeiros cineastas americanos a se assumir homossexual e a abordar questões LGBT em cults como Garotos de Programa – parece ter devolvido créditos à reputação do diretor.
“Robin Williams, com quem trabalhei em Gênio Indomável, está na gênese desse projeto, pois ele comprou os direitos dos cartuns de Callahan nos anos 1990 e queria fazer uma cinebiografia do desenhista tendo seu amigo Christopher Reeve, o eterno Super-Homem, no papel central. Reeve estava numa cadeira de rodas à época. Mas o tempo passou, outros compromissos nos separaram, Williams morreu e, só agora, essa história volta”, conta Van Sant, que desagradou aos entusiastas de suas narrativas mais radicais, como Gerry (2002) ou Paranoid Park (2007).
Mas a maior parte da Berlinale aprovou seu registro mais emotivo. Decano da crítica francesa, décadas à frente da revista Positiff, Michel Ciment saiu aos sorrisos da projeção de Dont Worry. “Gus Van Sant é muito irregular, mas este talvez seja o melhor filme dele. É muito redondo”, disse, cravando um “cest parfait” ao julgar a atuação de Phoenix e Hill.
Este último pode ser o único rival de Phoenix na peleja pelo prêmio de interpretação masculina de Berlim, ou até dividir a láurea com ele. Consagrado como comediante a partir de Superbad (2007), Hill já deu provas de seu talento dramático várias vezes, tendo sido indicado para a estatueta dourada de Hollywood por sua atuação em O Homem Que Mudou o Jogo, de 2011, e em O Lobo de Wall Street, de 2013. Mas nada se equipara ao que ele faz no papel de um ex-alcoólatra soropositivo, que comanda um grupo de recuperação para dependentes de bebida.
“É impressionante como ele busca criar uma nova imagem para si”, elogiou Van Sant.
Na briga pelo Urso de Ouro de Berlim, na terça, foi projetado só mais um filme: o iraniano Pig, de Mani Haghighi, sobre as loucuras em um set de cinema.
A noite desta terça-feira foi dedicada a outro cineasta americano, Steven Soderbergh, que veio apresentar em sessão hors-concours o terror Unsane, com Claire Foy presa num sanatório. Até agora, em meio a uma oferta de títulos sem sal, o drama paraguaio Las Herederas, do estreante Marcelo Martinessi (produzido pela cineasta carioca Julia Murat), é um dos raros concorrentes ao Urso a ter agradado a gregos e troianos, sendo visto como favorito. Mas muito se fala, desde segunda-feira, do vibrante longa norueguês U-July 22, dirigido pelo ex-fotógrafo de guerra Erik Poppe. Com uma narrativa similar à de um videogame de tiro, o longa revive um massacre em um camping de estudantes em 2011, reproduzindo o pânico vivido nas 72 horas que durou um tiroteio aberto por um militante da extrema direita.
Transit, do alemão Christian Petzold, é, até agora, o melhor trabalho de roteiro. No quesito direção, os longas mais falados são Figlia Mia, da italiana Laura Bispuri, e La Prière, do francês Cédric Kahn. Entre as atrizes, os destaques são Ana Brun, de Las Herederas, e de Marie Bäumer, perfeita na pele da atriz Romy Schneider em 3 Days in Quiberon, da alemã Emily Atef, cuja fotografia em preto e branco pode sair daqui com o troféu de Contribuição Artística.
Exibido domingo, o documentário paulistano Bixa Travesti, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, segue nas cabeças no boca a boca popular, tendo arrebatado Berlim, na mostra Panorama, pelo carisma da cantora trans Linn da Quebrada. Na internet, espocam posts de alemães sugerindo que ela faça shows por aqui.
O festival chega ao fim no sábado, 24, com a entrega de prêmios pelo júri presidido pelo diretor alemão Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Rodrigo Fonseca
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