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Nêgo Jaime
Uma cidade não é feita apenas de prédios, parques, jardins, ruas e praias, uma cidade tem espírito, tem alma, essa alma é o povo, os viventes, sua memória. Algumas personagens se destacam em cada época. A história pode esquecer de certos nomes de autoridade, deputado, senador, de brilho fugaz, entretanto, figuras populares tornam-se inesquecíveis, ficam na história da cidade.
Em Maceió havia um negro, forte, espadaúdo, bonito, mais de 1,90 metros, enfermeiro da Rede Ferroviária, boêmio, calmo como um budista, contudo, não levava desaforo para casa, assim era Nêgo Jaime.
Certa vez, no Bar do Relógio, ponto de boemia, de virada de noite de Maceió, dois marinheiros bêbados tomavam a saideira antes de retornarem ao navio, ao avistarem Nêgo Jaime solitário em uma mesa, um marujo arrotando superioridade entregou-lhe uma dose de cachaça, “Toma Nêgão, quero ver se você é bom”. Jaime na maior paciência, disse estar apenas de cervejinha, no outro dia tinha trabalho. O marinheiro insistiu, provocando, “Você não é homem Negão?” Jaime não teve dúvida, levantou-se, deu um murro no marinheiro, iniciou uma batalha. Os marinheiros eram bons de briga, entretanto, Nêgo Jaime estava com demônio no corpo. Mais de uma hora de luta entre murros e golpes, Jaime bateu como sabia, com raiva, quase mata os marujos. Levaram os dois para o Pronto Socorro. Precisou entendimento entre a Capitania dos Portos e a Rede Ferroviária, os da Marinha queriam pegar, prender Nêgo Jaime, só houve sossego quando o navio partiu.
O Nêgo era calmo, não provocava arruaça, contudo, não sei se por beleza física ou influência da cor, atraia provocadores. Toda sexta-feira Nêgo Jaime se juntava a amigos para uma cervejinha no Bar da Maravilha antes de ir à Zona de Jaraguá. Numa dessas noites chegaram três playboys de lambreta provocando todo Bar da Maravilha, encrencaram com o Nêgo, ele se vestia bem, terno branco, preferiu se retirar, deixou os provocadores, foi aos braços de Lourdinha na Boate Tabaris. Na sexta-feira seguinte aconteceu a mesma provocação dos lambretistas, Nêgo Jaime saiu do Bar. Na terceira sexta-feira, Nêgo Jaime chegou requintado, terno de linho branco, segurando o paletó entre os dedos, pediu cerveja, ficou observando o movimento aguardando a hora da zona em Jaraguá. De repente apareceram os três lambretistas fazendo zoada. Ao sentarem iniciaram a perturbar: “Olha aí o Picolé de Onça todo de branco”. “Macaco de branco fica bonito”. Jaime se aproximou na maior calma, nem conversou, rodou o paletó na cara do primeiro, o lambretista beijou o chão, ao se levantar levou outra paletozada, ficou estatelado, o Nêgão virou-se e rodou e bateu o paletó num lourinho metido a James Dean que arriou no calçamento. Desesperados, os playboys montaram suas lambretas, partiram sem destino. Nunca mais apareceram às sextas no Bar Maravilha. Nêgo Jaime mostrou sua estratégia ao dono do bar, descosturou a manga do paletó, retirou pesadas e bem arrumadas britas dentro das mangas, Nêgo Jaime era criativo, inventou uma arma urbana. Até hoje essa briga é comentada, tornou-se lenda no bairro boêmio de Jaraguá.
Jaime tinha um chamego com a Nêga Jandira, dona de um bar no bairro do Poço, todo ano desfilavam pela Escola de Samba Unidos do Poço. Jandira era a porta estandarte, bonita, sabia requebrar, a maravilhosa bunda deixava a moçada de água na boca. No carnaval, a Unidos do Poço desfilava para valer, tentava o terceiro campeonato seguido, Jandira fazia evoluções com o estandarte no ar, delirantemente aplaudida pelo povo na Rua do Comércio. Ao passar pelo palanque, defronte ao Cine São Luiz, Jandira deu tudo de si, Nêgo Jaime dançando, acompanhava mais atrás sua amiga evoluindo. De repente apareceu um popular, como disse o jornal, não aguentou, atravessou a corda de segurança, passou a mão na bunda da Jandira e agarrou-a à retaguarda. Foi preciso Jaime destravá-lo do abraço traseiro, deu-lhe um murro, o tarado caiu de costas junto à bilheteria do Cine São Luiz. Mesmo com esse inusitado acontecimento, como foi noticiado, os jurados compreenderam o desvario do tarado, deram à Unidos do Poço o título de tri-campeã do carnaval alagoano.
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