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A dona da noite

01/02/2015
A dona da noite

Ao ver Orlando entrar na sala reservada à família do defunto; dopada de calmante, Denise levantou-se, abraçou emocionada o amigo, sócio do marido. Os dois aos prantos, ele sussurrava, meu amigo Arnaldo se foi, meu amigo se foi. Ao passar a primeira emoção, em conversa discreta, ela reclamou a presença dos companheiros de maçonaria. Ele amava as reuniões da maçonaria- estranhava Denise – sentia orgulho em ser maçon. Duas vezes por semana vestia terno, saía após o jantar, retornava pela meia noite, guardou o segredo da sociedade, nunca revelou o que tratavam as reuniões.
Arnaldo estendido no caixão, inerte, esperando ser enterrado, quem diria? Um homem com tanta vitalidade, de repente infarto fulminante. Bebia pouco, não fumava, caminhava uma hora por dia na orla da Pajuçara. Certo momento os amigos foram convidados para missa de corpo presente. Denise se aproximou ajudada pelos dois filhos, junto ao único netinho de 6 anos. O padre iniciou a missa, falava sobre o lugar garantido de Arnaldo no céu, homem sério, honesto. Só se ouvia a voz do padre, de repente, uma mulher, em torno de 35 anos, foi se achegando, se infiltrando entre os presentes, ao ver de perto o defunto, não se conteve, chorou aos berros, abraçou o caixão, gritando, Arnaldo, Arnaldo, não se vá. O padre continuou a missa, alguém, sensato, puxou a mulher pelo braço, tirou-a discretamente, entretanto, o fato não passou desapercebido, os amigos, os parentes se perguntavam, quem é ela? quem é ela?
O instinto forte de Denise percebeu, havia alguma coisa no ar além das nuvens passageiras. Colocaram o caixão no carrinho em direção a última morado de Arnaldo, muito choro dos filhos e amigos..
À noite, a família unida recordava histórias de Arnaldo, os filhos amavam aquele homem, correto nos negócios, nada faltava à família, homem trabalhador. Mesmo com todo carinho familiar, toda áurea de homem decente deixada pelo defunto, o sexto sentido, a alma intranquila de Denise não esquecia a mulher se abraçando o caixão gritando o nome de Arnaldo, coisa rápida, contudo, marcante. Certo momento entrou no quarto, ligou para o grande amigo do marido, Orlando, precisava falar com ele urgente, esperava ainda naquela noite em casa. Orlando desculpou-se. Marcaram um encontro dia seguinte no escritório da concessionária.
Três horas da tarde, a viúva com olheiras de tanto choro e o coração cheio de incerteza, sentou-se em frente ao sócio do marido, foi desembuchando.
– Orlando você era o maior amigo de Arnaldo, tenho certeza você sabe toda vida dele, detalhes que não conheço, agora ele está morto, por favor me conte a verdade, não sou burra, aquela mulher do Parque das Flores tem alguma história, ninguém chora daquele jeito. Vá me diga quem é aquela mulher? por favor!!!!
– Denise, eu vou lhe contar tudo antes que saiba por outra pessoa. Até hoje não conheço pessoa tão honesta nos negócios, nas atitudes, na maneira de ser como Arnaldo. Acontece que houve um grande problema em sua vida há cinco anos. Sei que você é forte, vou contar a verdade tim-tim por tim-tim. Arnaldo se encantou por uma jovem, uma cliente, veio comprar um carro, ele deu algumas voltas pela cidade mostrando o belo automóvel. Dai surgiu uma amizade, uma paixão, ele mesmo dizia ser passageira, arroubo de um sessentão, entretanto, o tempo foi passando ele continuou fascinado, dizia que jamais lhe deixaria que lhe amava. Até que certo dia a jovem apareceu grávida, ele religioso, você sabe, não admitiu o aborto, a criança nasceu, tem 3 anos. Ele tentava esconder os fatos, certa vez foi convidado para entrar na maçonaria, com esse problema não aceitou, aproveitou a desculpa para sair à noite, realmente nunca foi maçon na vida. Na verdade ele não teve o infarto aqui no trabalho, foi na casa dela, consequência da pílula azul em excesso, eu o trouxe já morto para o escritório. Orlando contou mais detalhes, Denise só ouvia. Foi para casa passou a noite sem dormir pensando que fazer, o sentimento de raiva muito forte apoderou-se da viúva. Na outro dia comprou vestidos sensuais, olhava-se no espelho, bela coroa. À noite saiu em busca de aventuras com algumas amigas. Sequer foi a missa de sétimo dia. Faz um ano da morte do marido, Denise virou a Dona da Noite.