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Mourão, o Becão

07/12/2014
Mourão, o Becão

    Nezito Mourão é o nome dele, colega no Colégio Diocesano em Maceió, anos 50, estudioso, 1º de turma, o Negão jogava um vigoroso futebol. Preferiu a carreira de atleta, beque extraordinário do CRB, poucos atacantes passavam. Eu tinha maior orgulho em ver nos jornais fotografias de meu amigo Mourão junto a Pelé e Coutinho no maior time de futebol que o Brasil já teve, o Santos anos 60 – 61- 62.
Certa vez o Mourão jogava num time do Recife, a torcida adversária pegou no pé do Negão, xingando, gritando, “é esse!” incentivando ao adversário dar cacetada. Num lance infeliz Mourão caiu, foi vaiado pela torcida. Cabeça quente, levantou-se, segurou no calção, balançou os quibas para torcida. Era jogo televisionado, Mourão teve que se explicar na Delegacia.
Quando eu morava no Recife, 1966, depois do namoro bem comportado, juntava-me ao irmão Quico para a ronda noturna nas baladas. Certa noite encontramos Mourão. Imensa alegria, aquele abraço. Era preciso comemorar o encontro, tomar uma cerveja. Mourão deu a idéia: Boate Flamboyant, na galeria do Edifício Walfrido Antunes, onde fomos certa vez com seu amigo, cantor Agostinho do Santos.
Sentamos numa mesa de pista, pedimos “cuba-libre”, ouvindo a bonita cantora arrasar com músicas de sucesso. Ela atendeu nossos pedidos, “Felicidade”, “Apelo”, “Chega de Saudade.” No intervalo a cantora aceitou o convite, sentou-se à nossa mesa. Estávamos num papo agradável, os 3 amigos paquerando a menina, ela sorria para todos, entretanto, era notória sua preferência por Mourão. De repente um bêbado achegou-se à nossa mesa, falou alto com a cantora, mandando se levantar e esperá-lo na cozinha. Era o proprietário da boate, tinha um caso e pensava que era proprietário também da bonita artista. Estava bêbado, com ciúme ou com despeito, coisa de corno, tentava tirar a moça bonita de nossa descontraída e bem humorada conversa. O Bêbado insistente segurou-a pelo braço. Mourão, como um cavalheiro, levantou-se e falou educadamente para o cidadão.
– “Meu senhor, a moça está em nossa companhia, ela só sai daqui se quiser, seja quem for o senhor.”
O dono da boate voltou para o balcão. A moça nos pediu desculpas foi conversar com seu patrão. De repente, o garçom trouxe a conta pedindo para que nós pagássemos e que nos retirássemos da boate por ordem do dono, ameaçando chamar a polícia. Como éramos inocentes, nesse caso, não saímos, ficamos esperando a polícia chegar. Depois de quase uma hora de espera pagamos a conta, nos retiramos.
Ao sairmos da galeria, parou um jipe com quatro policiais civis, armados. Entraram na boate. Dispersamo-nos, cada qual tomou rua diferente. No momento que parei um táxi, freou o jipe junto a mim, descerem quatro homens armados gritando, eu estava preso. Conhecendo esse tipo de policial, pedi calma, falei que era tenente do Exército, tinha que ser ouvido, além de tudo prerrogativa no caso de prisão, ser feita pela Polícia do Exército. O policial foi taxativo:
– Tenente pôrra nenhuma! Vai preso agora, seu merda! Suba!
Como detesto apanhar, subi no jipe antes que levasse uma cacetada. Na Secretaria de Segurança, um belo prédio à margem do Capibaribe, desci do jipe escoltado. O Delegado mandou calar-me quando tentei esclarecer. Só fui ouvido depois de uma hora de espera. Ao me identificar como tenente do Exército, servindo na 2ª Cia. de Guardas, tropa de elite do IV Exército, o delegado pediu desculpas, chamou os investigadores de imbecis.
Na hora de minha prisão, Quico e Mourão assistiram ao longe. Correram para o Edifício Caeté, onde eu morava com os tenentes Marinho e Coelho.  No momento que o delegado se desculpava, ouviu-se um barulho na Secretaria, uma patrulha do Exército e meus amigos, entraram causando tumulto.
Eu fui bombeiro, evitei um quebra-pau que ia ficar na história do Recife. Agradeci o apoio dos amigos, mandei a patrulha se recolher. Os soldados estavam inconformados em ver seu comandante preso. Há pouco tempo um investigador havia matado um soldado da 2ª Companhia de Guardas, os ânimos estavam quentes por uma vingança. Se eu não segurasse os soldados, se eu atiçasse, as consequências seriam inimagináveis.
Dia seguinte deu em manchete num jornal: “Tenente Lima do Exército, acompanhado do jogador Mourão e um indivíduo, fazem arruaça em uma boate”. O indivíduo era o Quico. E o pacífico Mourão hoje vive aposentado com uma pousada na Rua do Aragão, centro do Recife, cheio de recordações do incrível Santos, anos 60, o melhor time do mundo, iningualável.