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‘Exercícios de ser criança’
Embora nascido em Cuiabá, o poeta Manoel de Barros, há pouco falecido, viveu boa parte do tempo no Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio São José e se formou em Direito. Não era essa a sua vocação. Afeiçoado à natureza e tendo um apreço especial pelo chão (escreveu a “Gramática Expositiva do Chão”), foi premiado em 1999 pela Academia Brasileira de Letras pelo seu muito bem elaborado “Exercícios de ser criança” (Editora Leya). Tive o privilégio, então, de apresentar o livro à premiação, como presidente da comissão julgadora de literatura infantil e juvenil da ABL. Ele, muito tímido, foi ao Petit Trianon receber o seu prêmio e o meu abraço comovido. Foi a única vez que nos vimos, mas um encontro inesquecível.
Por que essa lembrança? Porque Manoel de Barros adorava crianças. Gostava de repetir Fernando Pessoa: “Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.” Talvez aí residisse a sua grande força.
Assim como Tales de Mileto dizia, nos tempos antes de Cristo, que “a água está na origem de todas as coisas”, prefiro ficar com a ideia de que “as crianças estão na origem de todas as coisas.”. Cito o Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, para quem os investimentos em educação, na primeira infância, principalmente nos cinco anos iniciais de vida, aumentam em até 60% a renda da população. É a melhor aplicação que as nações podem fazer.
Infelizmente, não é o que se vê em nosso país. Temos mais de 20 milhões de crianças desamparadas, sem qualquer acesso à escola, marcando uma desídia indesculpável. Em tempos eleitorais, é comum ouvir promessas de todo lado no que se refere à educação infantil. Creches vão crescer como cogumelos, mas, até agora esse esforço tem sido rigorosamente insuficiente. Se o processo educacional começa errado, com essa enorme deficiência, é claro que os resultados só podem ser pífios. Não estamos praticando os princípios elementares do direito à educação. Com um pormenor: os que não são atendidos pelo sistema não têm bons motivos para comemorar, pois a qualidade do ensino é bastante precária, haja vista as avaliações feitas nos primeiros anos do ensino fundamental: as crianças chegam ao 3o e 4o anos, muitas vezes, sem dominar as operações fundamentais de ler, escrever e contar. E aprender a pensar, nem se fala.
A convite do poeta Gabriel Nascente, estivemos na bonita sede do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que organiza o seminário para debater o direito à educação, utilizando a riqueza de conceitos expressos na literatura brasileira. Podemos citar a educação jesuítica e os seus mitos, padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, este feito santo pelo Papa Francisco. Fizeram muito pelos índios e pelos filhos dos colonizadores, sobretudo no litoral brasileiro. Mas o país já requeria muito mais, dado o tamanho do seu território e a diversidade da sua cultura. A expulsão da Companhia de Jesus, dois séculos após o descobrimento, foi um desastre para a educação, depois entregue a beneditinos, franciscanos e carmelitas. Houve como que uma desintegração do que tinha sido até então conquistado.
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