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Os Oito Cadetes

30/11/2014
Os Oito Cadetes

    Ano passado fui à Resende, Rio  de Janeiro, comemorar aniversário de formatura de minha turma na AMAN, ao ultrapassar depois de tanto tempo o Portão Monumental da Academia Militar das Agulhas Negras veio-me forte emoção e recordação. Caminhei pelos quatro cantos da grande escola de minha vida, boas lembranças, revi a cadeia onde fiquei preso por ter ingerido bebida alcoólica e participado de uma briga em lugar incompatível com a condição de cadete (zona). Essa briga entre cadetes x caminhoneiros deixou-me 15 pontos na cabeça e 15 dias de prisão.
Depois de dois dias em Resende seguimos, oito casais, sete generais e um capitão, para um belo hotel em Itaipava. Para completar o encontro, fomos ao Rio de Janeiro que continua lindo. Uma semana de muitas histórias relembradas. Companheiros de turma, irmãos por adoção, durante anos ralamos juntos naquela magnífica Escola Militar ao pé das Agulhas Negras, um dos picos mais altos do Brasil. Nas noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas como a história dos oito cadetes de pelerine.
No início de 1943, tempo de II Guerra Mundial, a construção da AMAN havia paralisada por falta de verba; funcionava no Rio a velha Escola Militar do Realengo, instituição que formou muitos militares conhecidos no século passado, como Castello Branco e os outros generais presidentes.
Naquela época uma das diversões do cadete era montar nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam cavalgar. Oito companheiros inseparáveis saíam sempre juntos, um ajudava ao outro nos estudos, nas dificuldades. Irmãos por escolha, por opção.  Em algumas noites costumavam sorrateiramente cavalgar até uma boate de mulheres que havia no subúrbio do Rio de Janeiro. Naquela época prostituta namorava. Os oitos cadetes vestiam-se apenas com pelerine (capa militar longa, azul marinho, sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Havia um detalhe, por baixo das pelerines eles nada vestiam, todos nus, faziam farras tremendas no cabaré. Os cadetes cavalgavam nus, dançavam nus, apenas cobertos pela pelerine. Certamente iam nus para os quartos das prostitutas apaixonadas. Diversão de alto risco, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam cadeia ou até expulsão.
Certa noite depois de dançar e deitar com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato, com um grito de comando dispararam pela estrada de barro retornando à Realengo. Ao passar por uma rua deserta, por volta das 23 horas, perceberam numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor, ele pedia clemência, que não lhe matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas, os cavalos dirigiram-se para o local do assalto, com destemor e perícia, desmontaram dos cavalos à galope, agarraram os bandidos. Dois socorreram o cidadão, devia ter mais de 60 anos, os outros prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.
Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola Militar do Realengo pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão se apresentassem, o filho desse senhor encontrava-se na Escola, queria agradecer. Receosos de pegar uma cadeia, os oito amigos não se revelaram. Depois do comandante muito insistir e promessa de não haver punição, os cadetes se apresentaram. Foram levados à presença do velho no hospital. Era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyde Nacional, companhia de navios que fazia a costa brasileira. O rico senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que queriam, casa ou carro, ou o que fosse. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito. No outro dia foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada.
O velho deu a ordem, mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, mandou comprar todo o piso em granito, recomeçaram as obras da Academia por sua conta. Até hoje perdura o luxo e a suntuosidade daquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos, entretanto, o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada nas reuniões de militares brasileiros.