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Piu-Piu

02/11/2014
Piu-Piu

    Na revista Seleções havia uma seção chamada, “Meu Tipo Inesquecível”, onde escritores contavam histórias sobre alguém que lhe marcou profundamente como personalidade e tornou-se inesquecível. Minha memória é recheada de pessoas com quem convivi ou simplesmente conheci e tornaram-se inesquecíveis. Uma delas foi Piu-piu, um muriciense elegante, constantemente trajando paletó arrumado, de fazer inveja a lordes ingleses.
Eu tinha meus 10 anos de idade, meu pai levava a filharada para o centro da cidade no fim da tarde, para tomar uma cerveja com amigos no Bar Colombo. A meninada se fartava de sanduíche de fiambre com queijo do reino e um saboroso caldo de cana moído na hora. Nas tardes, a Rua do Comércio se apinhava de gente. Intelectuais, boêmios, políticos e figuras da cidade. Encontravam-se nos bares, lojas e no Cinearte (depois São Luiz).  Uma dessas figuras marcantes foi um senhor elegante, forte e falastrão, conhecido como Piu-piu. Impecavelmente vestido, todos os dias ele comparecia de terno ou jaqueta com botões dourados, calças bem passadas. Uma bota preta de cano longo completava a vestimenta. O charuto dava um ar de esnobe ao comerciante. Piu-piu apesar de trajes tão distintos vivia de um pequeno comércio: venda e compra de antiguidades, objeto de artes, ouro, prata e jóias. Dava para sustentar sua pequena família e seu inigualável guarda-roupa. Piu-piu além de se vestir bem, era impecável na arrumação pessoal     Cabelos bem penteados com brilhantina Glostora, barba bem feita. O bigode denso de cabelos crespos e ruivos era digno de um príncipe hindu ou de um kaiser alemão, grosso, bem frisado, as pontas de curvas perfeitas faziam meia lua subindo como se apontasse para o céu. Diziam que o bigode do Piu-piu era passado, frisado por ferro de engomar.
Nosso herói morava entre o Prado e Ponta Grossa, mas vivia no centro da cidade.  Além das túnicas e ternos ele aparecia de chapéu Panamá, as mãos reluzentes de anéis de todos os tipos, seus dedos eram dourados e brilhantes. Na Rua do Comércio, impreterivelmente às 14 horas desfilava sua elegância e pretensa arrogância, pois se dizia brigador, disposto a qualquer luta. Andava armado com punhal e um revólver.
Seu bigode era atração, ele tinha orgulho, uma verdadeira adoração na manutenção daqueles dois tufos intocáveis. Ficou contrariado quando jovens, estudantes, colocaram o apelido de Piu-piu, Bigode de Arame.  Muitas vezes correu atrás de estudantes que gritavam “Bigode de Arame”, empunhando o punhal que levava constantemente na cintura, por baixo do paletó.
Um fato marcante na vida de Piu-piu e na história de nossa cidade ficou comentado por muitos anos nas rodas do Comércio. Fato brilhantemente contado pelo historiador Félix de Lima Júnior no livro Maceió de Outrora.
Nos anos 30/40, Alagoas vivia um momento de intensa intriga política, o que nunca foi novidade. Dois grupos políticos se digladiavam: O do Senador Fernandes Lima, de quem Piu-piu era amigo pessoal, ligado e defensor; e o grupo do austero governador Costa Rego, homem duro, apesar de seu amor e pendor às artes, tratava os inimigos com repressões constantes.
Certa tarde na Rua do Comércio o nosso valente Piu-piu disse não ter medo de ninguém, nem mesmo do governador e destemperou impropérios, atacando o governador Costa Rego em um discurso improvisado nos arredores do Bar Colombo.
Dois dias depois ele estava parado em frente ao Relógio Oficial, quando 5 homens desceram do bonde vindo de Jaraguá. Dois deles derrubaram Piu-piu, outros dois seguraram pelos braços e pernas, e o último homem com uma tesoura foi cortando, arrancando o suntuoso bigode, fio por fio, sem que o valente Piu-piu desse qualquer gemido. Não deu um piu. Os amigos ficaram com medo daquela briga. 5 contra 1. A polícia só chegou quando o serviço acabou. Arrancaram o bigode mais famoso do Estado.  A região do lábio superior de Piu-piu ficou deformada. Ele só voltou à Rua do Comércio muito tempo depois, quando conseguiu regenerar seu bigode de arame. Tornou-se herói.
A rapaziada do Liceu Alagoano aproveitou o fato para versejar e cantou seus versos no Comércio: “O navio apitou… A canoa virou… O bigode do Piupiu… Marroquim arrancou”. Piu-piu, Marcolino Ribeiro da Silva, morreu aos 98 anos em Maceió no dia 5/3/65.