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Conversas de Travesti
Depois que me tornaram escritor, tornei-me bisbilhoteiro. Fico catando histórias no dia-a-dia. Às vezes elas vêm de graça. Amigos me param para contar casos, fatos acontecidos. Em termo de segredo, não sou flor que se cheire. Ninguém me venha com confidências. Tenho bucho de piaba. Se o cara não sabe guardar segredo, porque quer que eu guarde? Sou apenas um contador de histórias. Vivo garimpando e passando-as a meus amigos leitores.
Há alguns anos, estava um céu azul de inverno nordestino, desci à praia, fui comer o delicioso acarajé da Irmã em frente ao Meliá. Ao reparar numa mesa dois rapazes suspeitos, dois boiolas explícitos. Estudei a direção do vento, ocupei uma mesa em posição estratégica. Ao me certificar que ouvia bem a conversa dos qualhiras, pedi acarajé e cerveja. Com os olhos fiquei contemplando o mar, e com os ouvidos a conversa dos perobos. Eram travestis, comentavam o escândalo do Ronaldinho com suas colegas cariocas. Registrei o diálogo daquelas figuras caricatas. Usavam short curto, por cima uma blusa cobria os seios acentuados. Lamentei não estar com a máquina, daria uma bela foto. Preciso me profissionalizar. Eis o antológico diálogo.
Traveco 1 – “Neguinha você nem imagina como o caso do Ronaldinho me deu inveja. Eu com Ronaldinho! não queria outra coisa. Faria tudo, tudo que ele quisesse e não cobrava nada!”
Traveco 2 – “Que é isso mulher! A gente tem que ser profissional. É por isso que não respeitam a arte dos travestis, pensam que a gente faz sexo só por prazer, como se não precisasse dinheiro para viver. Du – vi – dê – ó – dó que um travesti encontre emprego. Só na zona ou fazer programa, esperando, fazendo trottoir nas calçadas da orla. A gente tem que valorizar nosso talento.”
Traveco 1 – “Neguinha você não pode falar. Você tem seu bofe, dá dinheiro para aquele malandro que anda o tempo todo no seu carro lindo, presente de mãe.”
Traveco 2 – “Pois é querida. Sábado passado, fim de festa, o dia amanhecendo, ele nas baladas com o carro, fui atrás, só o encontrei às 5 da manhã bebendo com amigos e raparigas numa barraca. Cheguei perto, muito séria, pedi para falar com ele, disse que estava tudo acabado, que me devolvesse a chave do carro. Ele olhou-me com tristeza, foi à mesa, pagou alguma conta, voltou sorrindo me chamando de amor. Fomos para meu quartinho ali na praia de Cruz das Almas. Menina, ele parou embaixo do prédio, me abraçou, fizemos maior amor, fiquei na maior felicidade. Convidei para dormir comigo. O descarado recusou, mandou-me saltar. Reagi. Pedi a chave do carro para guardar. Sabe o que ele disse? “Você não sabe guardar seu rabo, avalie a chave do carro”. Empurrou-me para fora e partiu. Desde sábado que não o vejo. O namoro está acabado, vou procurar um bofe que me ame, que me compreenda. Amanhã dou queixa na delegacia. Preciso do carro.”
Traveco 1 – “Neguinha, falando em polícia, você nem imagina que aconteceu comigo. Eu estava na Praia da Avenida da Paz fazendo meu ponto noturno. Parou um coroa, bem apessoado, bonito, devia ter mais de cinquenta anos, gostou de mim, partimos para o motel. Ele falou o que queria. Tudo, né neguinha? E de todo jeito. Foram mais de duas horas de serviços. Muitas fantasias. Ele exigiu, o cara jogava em todas as posições. Ao sair do motel, como era cedo, ele me levou ao calçadão da Jatiúca. Parou o carro e na maior cara de pau pediu meu endereço para me levar no outro dia os cem reais acertados. Era xêxo!.
Traveco 1 – Fiquei fula de raiva, não aceitei, foi aquele bate-boca, ele me empurrou do carro. Rápida, num golpe de mão, consegui pegar seu celular, o óculos e corri. Guardei atrás de um coqueiro. Mais tarde retornei ao calçadão. De repente ele parou o carro com um policial me chamando de ladra. Contei minha história ao policial, fomos para a delegacia. Expliquei todos os detalhes para o delegado, falei tudo, o que acertamos, tudo que fiz, tudo que ele pediu, tim-tim por tim-tim. O bonitão ficou envergonhado disse que só tinha cento e cinquenta reais, estava indo para Maragogi. O delegado o obrigou a pagar meus serviços, fui buscar o celular e o óculos. Ainda tem polícia justa nesse mundo.
Traveco 2 – Viva! Você é o orgulho da classe!
Pouco depois desse bate-papo, levantaram-se, caminharam sobre a areia da praia, rebolando, como se estivessem desfilando e em suas fantasias eram aplaudidos por todos por onde passavam..
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