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Perfume de mulher

21/09/2014
Perfume de mulher

Fernando José chegou em casa ao entardecer, sentou-se no sofá, abraçou Margarida, confessou feliz à esposa.
– “Foi meu último dia de trabalho, me sinto cansado, a aposentadoria do Banco dá para uma vida sem atropelos financeiros. Quero viajar, brincar com os netos, andar na orla, nadar na Academia, assistir cineminha pela tarde, ler muito, quem sabe? escrever minhas memórias, quase 70 anos, tenho muitas histórias, dentro de dois anos lanço meu primeiro livro. Não aceitarei e não trabalharei mais para ninguém, vou ser um jovem e feliz idoso aposentado na praia da Jatiúca!”
– “Ótimo, vou lhe dar uma tarefa, levar seu neto, Fernandinho, toda quinta-feira de 4 às 6 da tarde na aula de inglês.” Disse a filha, Denise, chegando e ouvindo a confissão do pai.
– “Terei a maior satisfação, pode deixar comigo.”
Na quinta-feira Fernando pegou Fernandinho em seu edifício. Entrou na escola de inglês segurando a mão do neto, sala ampla, onde se ramificavam quatro corredores com salas de aula, Fernandinho, nove anos, esperto, logo achou sua turma, desde os seis anos estuda inglês, um craque. O avô olhou o relógio, achou a sala aconchegante, resolveu esperar sentado numa confortável poltrona, pegou uma revista ficou a ler algumas reportagens. De repente uma senhora bem vestida sentou-se na poltrona ao lado, ele sentiu o perfume, deu-lhe uma deliciosa leveza dentro do ser, conhecia o aroma de muitos cheiros, ela usava “Fleur de Rocaille”, seu perfume preferido, amava aquela fragrância desde o namoro com Vilma, paulista de Presidente Prudente no início dos anos 70, tórrida, efervescente, inesquecível paixão, quantas vezes embriagou-se cheirando a nuca da paulista. Viveram juntos dois anos assim que entrou no Banco trabalhava em Macapá, longínqua e bela capital do Estado do Amapá.
Fernando estava em devaneios quando ouviu um pigarro, nesse momento baixou a revista, olhou, contemplou a bela coroa, idade indefinida entre 40 e 50 anos, talvez 60, quem sabe a idade de uma mulher? Elegante, exalava suavemente Fleur de Rocaille, tinha certeza. Atração à primeira vista. Sorriu, iniciou uma conversa leve.
– “Esperando o filho?”
– “Não, neto, tenho essa missão, trazer o neto às aulas de inglês, prefiro ficar lendo,esperando a aula terminar.” Respondeu a linda coroa.
Continuaram a conversa, vovô viu a vovó, gostou, nasceu uma química entre os dois. Ao terminar a aula, despediram-se.
Durante a semana Fernando sentia Fleur de Rocaille por onde andava, na sala, na cozinha, chegava-lhe o perfume. Na quinta-feira seguinte, tomou banho demorado, vestiu camisa nova, perfumou-se, espargiu Azarrô em seu corpo. Ao chegar na escola, intenso movimento de alunos, pais, avós, professores, percebeu a nova amiga, sentou-se perto, deu um olá, ela responde um adeus em dedos, logo estavam conversando.
Passaram-se três semanas, ficaram íntimos, conheciam a vida um do outro. Fernando convidou Amanda, assim se chama a viúva, para um sorvete na Bali, ao caminhar, no segundo quarteirão avistou uma placa num edifício, “aluga-se apto quarto e sala mobiliado – chave na portaria”, precisava para um primo que chegava do Rio. Foram conhecer o apartamento. Ao se verem sozinhos, propositalmente ele encostou o braço em Amanda, ela sentiu um choque, eletricidade química, segurou a mão do vovô aposentado, apertou, virou-se, se abraçaram, se beijaram. Fernando se embriagou em tanto cheirar a mulher perfumada em Fleur de Rocaille, deixaram o sorvete para outro dia.
Quatro meses do primeiro encontro, agora, toda quinta-feira Fernando deixa Fernandinho no Inglês, segue direto para o apartamento, alugou a garçonière, toma fortificante azul diluído em meio copo d’água, apenas de cueca samba canção espera Amanda, sente Fleur de Rocaille penetrar nas narinas ao vê-la entrar. Abraça, beija, funga o cangote da viúva esperando a aula terminar. Nada melhor para ressuscitar aposentado que perfume de mulher.