Artigos

Encontros com Ariano

27/07/2014
Encontros com Ariano

Sou um privilegiado, conversei, me diverti, saboreei alguns esparsos encontros com Ariano Suassuna. Certa vez ele veio à Maceió para dar uma aula sábia e divertida no Centro de Convenções. Antes da palestra, eu disse ter lido três vezes seu livro, “A Pedra do Reino”, aquele livro havia me tornado mais orgulhoso da literatura nordestina, fez compreender melhor a vida, o homem nordestino. Auditório cheio, mais de 2.000 pessoas, a aula estava uma delícia, certa hora Ariano confessou, “Tenho admiração pelos mentirosos e pelos loucos, eles são como escritores, imaginam histórias para fugir da realidade, o mentiroso, o louco, não aceitam a realidade. Existe todo tipo de louco, aqui mesmo no auditório tem vários, o Carlito Lima, por exemplo, leu três vezes meu livro, “A Pedra do Reino”, só um doido pode ler aquele livro três vezes.” A plateia às gargalhadas, na saída o povo me sorria. Eu feliz da vida em ter sido citado na palestra.
Há dois anos fui à Festa Literária de Boqueirão na Paraíba, estávamos no mesmo hotel à beira de um belo lago, conversei amenidades nesse fim de semana, ele se divertia com minhas histórias, dois dias agradáveis no sertão paraibano em boa companhia. Ariano me chamava de “Carcereiro do Arraes” devido ao fato do governador ter sido preso no quartel onde eu servia durante o golpe de 64.
Ano passado ele veio à Marechal Deodoro, o SESC aprontava o documentário, “O Nordeste de Ariano”. Ariano fez questão de gravar o depoimento sobre bandas filarmônicas nordestinas em Marechal Deodoro, na cidade histórica existem cinco ótimas e antigas bandas, Santa Cecília,103 anos, Carlos Gomes, 99, Manuel de França, mais de 50. Foi organizado um belíssimo concerto de dobrado militar em frente ao Convento Santa Maria Madalena, ficamos extasiados com a tocata. Certo momento Ariano perguntou se eu conhecia a origem do dobrado, respondi ter noção. Ele esclareceu, “O dobrado militar foi invenção da guerra, o som, a repetição, a altura do tocar, davam emoção e coragem aos soldados para se defrontarem com o inimigo, entretanto, se esse belíssimo dobrado fosse tocado numa guerra, os soldados em vez de atacar, iriam oferecer flores.” Filosofou gaguejando, Ariano.
Ouvi de p erto o depoimento, nunca pensei Ariano ser profundo conhecedor de dobrados e bandas filarmônicas, o documentário deve estar pronto, é boa hora do SESC passar o filme nas redes de cinema e televisão do Brasil.
Naquele dia era aniversário de Ariano, depois do depoimento, bela surpresa, as bandas de Marechal tocaram, “Parabéns prá você”, ele se emocionou e emocionou as privilegiadas testemunhas que assistiam a filmagem do histórico documentário naquele sábado de sol na bela Marechal Deodoro.
Tenho uma forte admiração pela obra e pelo ser humano, Ariano Suassuna, suas palestras não eram repetitivas, vários temas, desde construções de casa de taipa nas pequenas cidades às músicas encantadoras do Nordeste, era um sábio, intelectual nacionalista, quase xenófobo, não admitia o estrangeirismo apagar nossa cultura. Dizia, “Prefiro mil vezes nosso Ôxente que o OK americano.” O Brasil real perde o maior defensor de sua cultura popular. Ficou sua obra, para sempre será lembrado, Ariano Suassuna a única unanimidade brasileira.
Há cinco anos sou coordenador da Festa Literária de Marechal Deodoro, em 2014 realizaremos a 5ª FLIMAR entre 12 e 15 de novembro. Escolhemos sempre, dois escritores homenageados, um vivo outro morto, para discutirmos sua obra durante o evento. Já estava programado o homenageado vivo em 2015, Ariano Suassuna, e o poeta alagoano Jorge de Lima, o morto. Agora tudo mudou estaremos discutindo a obra de Ariano na VI FLIMAR, será o homenageado morto. Nem tanto, é o único imortal de Academia realmente imortal.
Ariano Suassuna, o maior brasileiro dos séculos XX e XXI. Amante desse Nordeste bendito e benzido pelo padre Cícero, tive o privilégio de encontrá-lo algumas vezes por esse Brasil à fora.