Cidades

‘Com criança não se brinca’: campanha do MPE/AL alerta para crescimento de casos de abuso sexual infantojuventil em Alagoas

11/10/2013

Ela deveria crescer num lar feliz, sendo amada e recebendo o carinho dos pais. Mas não foi essa realidade de uma menina de apenas quatro anos de idade que, ainda aos três, começou a ser abusada sexualmente pelo seu genitor. Obrigada a fazer sexo oral nele quase todos os dias, por mais de um ano, a garota, para não ficar sentindo o gosto do sêmen, era compelida a tomar sorvete, logo após o ato. “A sua boca vai ficar dormente e você não sentirá mais nada”, era o que ele dizia à filha. Durante a primeira audiência de instrução criminal, a criança, visivelmente traumatizada com a exploração da qual foi vítima, disse à promotora de Justiça e ao juiz: “Eu não quero me lembrar do que ele fazia comigo, por favor, tirem-me de perto dele”. O caso choca, revela a existência de um quadro comum em Alagoas e, o mais grave, os números só crescem.campanhaabusosexual1
O exemplo acima foi apenas um dos mais de 100 inquéritos policiais que chegaram à 59ª Promotoria de Justiça da capital somente entre os meses de abril e agosto deste ano. “Os casos são assustadores e nos levam a refletir sobre a capacidade do ser humano em fazer o mal. Só uma mente má ou doentia é capaz de tamanhas barbaridades. E, foi justamente por causa dessa grande quantidade de casos que vitimizam crianças e adolescentes que o Ministério Público Estadual de Alagoas resolveu criar uma campanha de combate ao abuso sexual infantojuventil. É preciso que todos nós fiquemos atentos ao comportamento dessas vítimas e denunciemos os agressores”, declarou a promotora de Justiça Dalva Tenório, coordenadora da campanha.
O projeto ganhou um nome: “Com criança não se brinca”. “O nome escolhido para a campanha tem tudo a ver com a mensagem que queremos transmitir. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro em seu artigo 3°, ao dizer que criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e que lhes devem ser assegurados, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, com o objetivo de proporcionar a eles os desenvolvimentos físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Então, essas pessoas não podem estar, de forma alguma, desprotegidas, especialmente, em seu próprio lar. A residência tem que ser um ambiente de amor e de paz. Lá, elas têm que ter confiança naqueles que tem, por obrigação, o dever de protegê-las. Entretanto, infelizmente, a maioria dos agressores encontra-se na família, são pais, padrastos e avôs. Amigos da família e até vizinhos também cometem o mesmo crime. E como os casos estão sendo crescentes, precis    ávamos chamar a atenção da sociedade para o tema”, explicou o procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá.

    O comportamento da vítima

Dalva Tenório, que, todas as semanas, tem apresentado denúncias contra criminosos que cometem esse tipo de ilícito penal, chama a atenção para a importância de se observar o comportamento das crianças e adolescentes que são abusados sexualmente, mas não costumam revelar as agressões sofridas. “Eles podem passar a ter interesse excessivo ou evitar qualquer assunto de natureza sexual; apresentam problemas com o sono e podem ter pesadelos; entram em depressão ou se isolam em relação a amigos e à família; recusam-se a ir à escola, tornam-se rebeldes ou delinquentes; agem com agressividade fora do normal; apresentam comportamento suicida; demonstram terror e medo com relação a aproximação de algumas pessoas ou lugares; dizem respostas ilógicas quando perguntados sobre feridas encontradas em seus órgãos genitais e apresentam mudanças súbitas de conduta”, detalhou a promotora.
“Por isso é tão importante que pais, parentes, vizinhos, amigos, professores, profissionais da área de saúde, conselheiros tutelares e autoridades policiais prestem atenção ao comportamento das crianças e adolescentes com quem eles convivem ou recebem para algum tipo de atendimento. Na escola, por exemplo, se um aluno apresenta alguma dessas condutas, é essencial que o professor intervenha e adote as medidas necessárias, acionando os responsáveis, o Conselho Tutelar mais próximo ou, até mesmo, a polícia. Medida semelhante deverá ser adotada por enfermeiros ou médicos que tratem pacientes infantis com ferimentos nas genitálias. E é fundamental que destaquemos que, hoje em dia, não há diferença entre gêneros para a prática do crime. Meninos e meninas são abusados de igual maneira”, alertou ela.
E a promotora também lembrou que a mesma atenção deve ser destinada à relação das crianças e dos adolescentes com o uso de computadores. “O crime ocorre com muita frequência pela internet. Pais e responsáveis precisam acompanhar o que os filhos fazem através dessas máquinas. Além do que, nenhum tipo de equipamento pode substituir a atenção e o amor que devem ser dados dentro de casa”, lembrou.

    A campanha

O combate ao abuso sexual infantojuvenil é o principal objetivo da campanha que está sendo lançada, neste sábado (19), pelo Ministério Público Estadual de Alagoas, em parceria com a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (Ademi/AL), durante a 11ª edição do Projeto Trabalhador no Teatro que tem como lema – As mãos que constroem agora vão aplaudir. O evento, realizado pela Ademi/AL, reunirá mais de mil trabalhadores da construção civil, um dos públicos-alvo da campanha, no Teatro Gustavo Leite e terá a presença da promotora de Justiça Dalva Tenório, que idealizou a campanha “Com Criança Não se Brinca”.
No início de outubro, o projeto ganhou a importante parceria da Associação, que, assim que recebeu o convite para aderir à causa, manifestou apoio imediato. Foi a Ademi/AL que arcou com os custos para a produção das peças publicitárias. O convênio para formalizar a aliança entre o órgão ministerial e a entidade será assinado, oficialmente, no próximo dia 18, durante a solenidade do Prêmio Master Imobiliário, também no Centro de Convenções de Maceió. A campanha está sendo veiculada neste mês de outubro, não, por acaso, o mês das crianças.
Para o presidente da entidade, Guilherme Mélro, a Ademi/AL decidiu pela participação direta na campanha porque a causa é nobre. “A responsabilidade social é um dos maiores focos da nossa associação. Já fizemos diversas ações em nossos canteiros de obras, assim como também tivemos a oportunidade de ajudar a algumas instituições que trabalham com adolescentes especiais e em situação de risco. Então, não teria como não nos envolvermos com uma atividade que vai tentar dar mais proteção à infância e à adolescência. Também estamos felizes em participar desse projeto”, afirmou ele.
O procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, também comemorou a parceria. “Estamos estabelecendo uma união relevante, sem dúvida alguma. Precisamos unir forças para proteger as crianças e os adolescentes do nosso Estado. Será uma alegria ter a Ademi/AL como nossa aliada”, disse.
A campanha é constituída de peças para televisão, rádio, banners, cartazes e panfletos. “Faremos atividades em algumas escolas, em bairros mais vulneráveis e em obras espalhadas pela cidade. Nossa intenção é atingir, especialmente, as classes menos favorecidas, onde, infelizmente, a desestruturação das famílias e a falta de educação levam parentes e vizinhos a abusarem de filhos, enteados, amigos. Nosso maior objetivo é minimizar o alto índice de casos envolvendo essas vítimas, que, na maioria das vezes, têm entre 5 e 12 anos”, disse a promotora Dalva Tenório.

    O crime

São diversas as legislações que tipificam como crime o abuso sexual contra crianças e adolescentes. A prática delitiva encontra respaldo na Constituição Federal, no Código Penal, no Código de Processo Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei nº 8072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos – e na Lei nº 11.829/2008 – que alterou o ECA.
O Código Penal, em artigo 217-A, especifica: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos implica em pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Mas, o tempo do acusado permanecer atrás das grades pode ser bem maior, a depender dos agravantes. Por exemplo, se o ilícito tiver como vítima alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, a sanção sobe para até 20 anos de prisão, mesmo tempo previsto para o caso da pessoa agredida sofrer algum tipo de lesão corporal de natureza grave.
Já se a conduta resultar em morte, a pena passa a ser de reclusão entre 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
“Infelizmente os casos relativos a essa prática criminosa só aumentam e por esse motivo é tão importante que nos irmanemos nessa luta. O Ministério Público já está sendo célere no oferecimento de denúncias contra os agressores, a Justiça tem que ser mais rápida na condenação e, o Estado, precisa desenvolver políticas públicas que ocupem os pais e possam proteger as vitimas. Esse é o único caminho para acabarmos com essa barbárie”, declarou Sérgio Jucá.