Geral

Cícera

04/08/2012

  Depois de muito pensar, relutar, vontade de contar a traição, finalmente Nilda tomou do celular, tocou para amiga.

– Alô Neguinha, preciso falar com você urgente. Vou adiantando, é sobre sua viagem com o Irineu para o Rio de Janeiro. Dá para me encontrar em casa hoje à noite, às 8 horas? Depois a gente assiste à novela.
– Tudo bem Neguinha, eu ia ao Shopping fazer compras, agora fiquei preocupada com seu chamado, vou sim.
Eram ainda 07h30 da noite quando Cícera bateu à casa de porta e janela no bairro do Vergel do Lago. A mãe de Nilda recebeu a amiga da filha, gritou, é a Cícera, vá entrando menina, ela está jantando. As duas tomaram sopa, depois se trancaram dentro do quarto. Nilda foi direto ao assunto.
– O problema é o Irineu! Tenho de lhe contar, nesses últimos dias ele vem me paquerando, dando em cima de mim. Perseguição contínua no escritório passa em minha sala toda hora, conversa insistentemente, me chama para transar, quer se despedir antes de viajar para o Rio.
Cícera ficou estarrecida com a história, sabia que o “noivo” sempre foi mulherengo, raparigueiro, mas dar em cima de sua melhor amiga era humilhante, imperdoável.
Nilda percebendo o choque de Cícera tirou a prova da bolsa, um pequeno gravador, ligou; Reconheceram a voz de Irineu.
– “Nildinha, você sabe, sempre lhe quis, sou roxo por você, a Cícera é uma amiga, vou apenas me ajuntar. Nós dois fomos namorados, pouco tempo, entretanto, nunca lhe esqueci. Estou me amigando com a Cícera sem casamento. Vamos tentar trabalhar no Rio de Janeiro, não sei o que será de mim. Só sei, é que meu amor por você voltou, quero pelo menos uma vez. Nildinha, vamos passar uma tarde num motel? Vai ficar a lembrança para o resto da vida. Será segredo nosso e de mais ninguém…”
Cícera desligou o gravador, não quis ouvir o resto, levantou-se respirou fundo. Precisava ficar só, andar pela rua sem rumo, pensar. Agradeceu de todo coração à Nilda, à solidariedade feminina. Sem rumo certo ela caminhou pela beira da lagoa. Recordou-se da festa quando conheceu Irineu, desempregado, dado à malandragem, às mulheres, aos amigos, em sua turma era o líder. Começaram um namoro sem pretensões, ao passar do tempo, Cícera arranjou um emprego de servente para Irineu na empresa onde trabalha a amiga Nilda. Apesar da péssima fama de Irineu, o casal levava a vida. Até que certo dia, Irineu apareceu com a novidade, queria tentar a vida no Rio de Janeiro, terra de oportunidades, de empregos, se ficar na terrinha não passará de servente. Convidou a namorada para acompanhá-lo, se juntavam no Rio. 
Essa história veio rápida na mente de Cícera enquanto caminhava pela orla lagunar. E agora o que fazer? Não acreditava mais no namorado, entretanto, queria tentar a vida em outros lugares, passagem comprada, enxoval, e etc. Faltava apenas uma semana para viagem, tomou sua decisão.
Dia seguinte ela fingiu se encontrar por acaso com Sandro, amigo da turma de Irineu, ele tinha uma paixão recolhida por Cícera, era notório. 
– Olá Sandro está sabendo? Daqui há uma semana parto com Irineu, vou tentar a vida no Sul com ele. Quero um seu favor. Sei que não me negará. Você poderia vir em minha casa? 
Quando entraram no quarto que ela dividia com a irmã, Cícera tirou a blusa, tirou a saía enquanto Sandro boquiaberto assistia ao strip-tease inesperado. Ela o chamou com o dedo. Abraçaram-se, se amaram até o fim da tarde. Cícera de alma lavada, recomendou, só conte ao Irineu, quando ele voltar.
Com dois meses de Rio, Irineu não se adaptou à vida de trabalho, partiu para malandragem, abandonou a companheira.  Cícera sozinha iniciou pegando faxina. Minuciosa, caprichosa, eficiente, de repente estava trabalhando de faxineira para os ricaços do Leblon. Três anos se passaram, hoje Cícera tem carro, casa, tudo fruto de seu suor, de sua excelência no trabalho de faxina. Irineu caiu na vadiação, no tráfico, foi baleado, morreu sábado passado na Favela da Rocinha.