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Cheirar cimento alivia viciados em crack

02/07/2012

Um menino de 14 anos se aproxima e pede para que o repórter segure sua pipa, ajudando-o a soltar o brinquedo no ar. “Tio, preciso de ajuda. Segura alto a pipa, por favor. Só solta quando eu falar”. O garoto (aqui não identificado para preservar sua privacidade, assim como todos os demais internos) não tem os dentes da frente, os lábios são queimados e a ponta dos dedos está gasta. As marcas físicas do consumo do crack mascaram o sorriso de quem reaprende a ser criança.

São 50 jovens no Centro Especializado de Atendimento à Dependência Química Ser Criança, em Guaratiba, afastado bairro da zona oeste do Rio. As paredes e degraus coloridos, uma ampla piscina, campo de futebol e quartos com quatro leitos distribuídos em duas casas de dois andares. Em nada aquele ambiente lembra a miséria e degradação na qual as crianças estavam inseridas.

A reportagem do iG chega ao local no começo da tarde, logo após o almoço, quando um grupo está soltando pipa e jogando bolas de gude, enquanto outro grupo se divide numa animada partida de futebol. Cozinheiras estão descascando batatas já para o jantar. Todos os internos são do sexo masculino. Todos são dependentes do crack. Todos têm menos de 18 anos.

O local não é chamado de clínica, porque, apesar de um acompanhamento médico semanal, tem como foco o trabalho social. O processo até chegar nestes abrigos é longo.

Após serem retirados das chamadas cracolândias, os jovens são encaminhados a uma das Centrais de Recepção Carioca, onde passam por uma triagem para avaliar o grau de comprometimento com o crack. Se for identificada necessidade de abrigamento compulsório, eles seguem para a rede especializada. As demais crianças geralmente são encaminhadas para unidades da rede acolhedora ou, após terem suas famílias localizadas, retornam para os lares de origem.

Logo que chegam às unidades especializadas como o Ser Criança, os menores de 18 anos passam por uma avaliação psicológica do estado emocional, sua socialização com o grupo, detectando possíveis traumas e o envolvimento com drogas. Também é realizada uma avaliação clínica sobre o estado nutricional e se possuem alguma doença infectocontagiosa. Durante o abrigamento, a reaproximação com os pais acontece por meio de visitas semanais.

“Nos três primeiros dias eles passam dormindo direto, repondo o que passaram acordados nas ruas fumando crack. A medicação é para tranquilizá-los. Depois começamos o tratamento de integração social com as demais crianças”, explica Vatusy Ramos, coordenadora do Ser Criança.

Eles só retornam para casa após estarem comprovadamente matriculados na escola e em alguma atividade complementar, no turno inverso à escola. Além da reintegração familiar, psicólogos trabalham junto às famílias a importância da continuidade do tratamento contra a dependência química no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) mais próximo à residência.

Mas nem sempre esta reinserção é tão fácil. C., 13 anos, está no abrigo pela segunda vez. Sua irmã está presa, o irmão mais novo também é usuário de drogas, não tem pai. Sua única responsável é a avó, de 87 anos. Ele é morador da favela do Jacarezinho, zona norte do Rio, onde se localiza uma das maiores cracolândias da cidade. “Não sei para onde vou. Eu gosto daqui. Tenho muita comida todo dia”, diz.