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Angra quer cobrar taxa de quem visita balneários da cidade, como a badalada Ilha Grande; setor turístico critica a medida

Cobrança começa em janeiro, terá valores progressivos e gera temor de queda no fluxo de turistas

Agência O Globo - 21/12/2025
Angra quer cobrar taxa de quem visita balneários da cidade, como a badalada Ilha Grande; setor turístico critica a medida
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

O mar verde-esmeralda, as areias claras e as montanhas cobertas de floresta construíram a fama da Ilha Grande como um dos cenários mais exuberantes do estado. Agora, desfrutar a paisagem passa a ter seu preço — ao menos para quem é de fora. A partir de janeiro, cada turista que pisar em Angra dos Reis deverá pagar uma taxa. Prevista em lei municipal que entra em vigor na virada do ano, a cobrança vale tanto para o continente quanto para as 365 ilhas. Às vésperas de começar, porém, o novo pedágio ainda é cercado de incertezas, enquanto a apreensão cresce entre aqueles que vivem do turismo.

Rio:

Cidade cheia:

Na Ilha Grande, a preocupação é que a taxa provoque uma debandada de turistas para outros destinos. A prefeitura de Angra alega que precisa dos recursos para investir em saneamento e infraestrutura de pontos turísticos, inclusive da Praia do Abraão, a porta de entrada da ilha.

A TurisAngra decidiu que vai começar a cobrança pelos que usam serviços de embarcações de empresas que fazem a travessia, bem como dos turistas que chegam em transatlânticos já no dia 1º. A prefeitura ainda avalia se seria possível exigir em janeiro a taxa de quem chega à Ilha por outros meios. As regras da Taxa de Turismo Sustentável preveem um aumento progressivo do tributo nos próximos três anos. Começaria em dez Ufirs (R$ 47,50), passando para 15 Ufirs (R$ 71,26) em 2027. Para visitar apenas o continente, será cobrada metade do valor.

A partir de 2028, o visitante que desejar conhecer uma das ilhas — seja por um dia, ou por até uma semana — pagará taxa de 20 Ufirs, ou R$ 95 em valores atuais, já que o indicador sofre reajustes todo ano, além de uma Ufir diária (R$ 4,75) a partir do oitavo dia.

A tarifa reduzida só valerá se o passageiro embarcar em Angra. Caso opte por chegar de barco via Conceição de Jacareí ou Mangaratiba, já pagará R$ 95, quando for iniciada a cobrança.

— Já em 2026, uma família com dois filhos, além de arcar com as passagens de barco por Angra, terá uma despesa extra de R$ 190. Muita gente não tem condições de arcar. E quem mantiver o programa vai consumir menos no comércio e nos passeios — reclama Rodrigo Retonde, diretor da Associação de Moradores da Praia do Abraão.

Natal à carioca:

Amor no ar:

O presidente da TurisAngra, João Willy, defende a cobrança e argumenta que boa parte das cidades turísticas do Brasil e do mundo cobra taxas do gênero, cada qual com regras específicas:

— A taxa vai reverter em investirmos na lha Grande e em outros destinos turísticos de Angra. Só o custo para recolher lixo da ilha chega a quase R$ 5 milhões por ano, para uma arrecadação anual de R$ 6 a R$ 7 milhões de ISS. Com a taxa, vamos poder melhorar os serviços públicos — afirma.

Morador da Ilha Grande, o ambientalista Alexandre Guilherme defende que a taxa deveria ter um valor simbólico e que fosse paga de maneira voluntária:

— Além de a taxa ser alta, há outro problema: a lei não vincula a arrecadação a um fundo que garanta a aplicação desse valor na ilha. Os recursos irão para o caixa da prefeitura. Há o risco de o dinheiro ser redirecionado para outros projetos.

O advogado e ambientalista Rogério Zouein, do Grupo Ação Ecológica (GAE), por sua vez, diz que a cobrança, independentemente do valor, não é garantia de que os recursos serão suficientes para a preservação dos destinos turísticos:

— Fernando de Noronha cobra taxas. Mas houve uma regulamentação do número de turistas diários que a ilha pode receber sem comprometer a infraestrutura. Alguém sabe quantos visitantes a Praia do Abraão pode comportar? Ninguém sabe.

Morador da Tijuca, o técnico de informática Aurélio da Silva, de 22 anos, fazia planos de passar as férias de janeiro com a namorada na Ilha Grande. Ao saber da taxa, passou a estudar outras opções como Paraty e cidades do litoral paulista:

— Já tem os custos de hospedagem, o táxi-boat. Os restaurantes são caros. Por pessoa, uma peixada na Praia do Abraão não sai por menos de R$ 95. É quase o que eu e minha namorada vamos pagar de taxa para ficar uma semana na ilha.

Hoje já existem taxas turísticas em Angra para visitantes, mas com valores mais acessíveis e que não são cobradas de todos. Iniciada em 2023, custa R$ 10,50 e está embutida no embarque de turistas que optam por chegar às ilhas em lanchas de empresas. Passageiros de transatlânticos pagam R$ 15,77 se desembarcarem. Esses já vão pagar R$ 47,50 no dia 1º de janeiro.

Há ainda uma outra taxa, que sofrerá mudanças, ainda sem prazo porque está pendente de regulamentação. Ônibus de empresas de turismo, que hoje pagam R$ 200 para entrar na cidade, passam a ser isentos caso os passageiros consumam em restaurantes cadastrados na prefeitura ou se desembarcarem no Cais de Santa Luzia, onde ocorre o embarque para as ilhas.

Nas ilhas e no continente, a lei prevê que a cobrança se daria independentemente do meio empregado para chegar ao destino. Teriam que pagar os usuários de táxi-boats, de embarcações particulares, tanto das que saem de outras cidades e os passageiros que fazem a travessia nas barcas concedidas pelo governo.

Discussão na Alerj

Inicialmente, o recolhimento do dinheiro poderá ser feito por meio de totens, aplicativo do Angra Viva e no Cais Santa Luzia, em Angra. A lei prevê que caso os fiscais abordem um turista que não tenha quitado o tributo, ele ainda pagará multa de 100% do valor da taxa.

— Essa cobrança trará prejuízos para quem trabalha com hospedagem. Além de muitos turistas procurarem outros destinos, na prática, não tem como fiscalizar todo mundo. Tem gente que contrata barcos fora de Angra e desembarca em praias longe de terminais oficiais. Outros chegam nos próprios barcos — critica Pedro Badaró, que aluga quartos pela plataforma Airbnb.

Advogado especializado em Direito Tributário, Adilson Rodrigues Pires diz que o dinheiro arrecadado com a taxa tem de ser investido “na área que motivou a criação”:

— Qualquer outro uso seria inconstitucional. Taxas como essa instituída por Angra e outras cidades são uma busca das prefeituras por receitas que compensem a queda do recebimento de royalties de petróleo.

A polêmica sobre a taxa também foi alvo de discussão na Alerj. O deputado estadual Professor Josemar (PSOL) entrou no fim de outubro com uma ação popular para tentar suspender o tributo. O processo ainda está em tramitação:

— Essa taxa é desrespeitosa com quem vive do turismo ambiental e com o próprio turista.

Como é em outras cidades?

Em Arraial do Cabo, cobrança já existe há quatro anos

Arraial do Cabo mantém há quatro anos, sem reajuste, a taxa para entrada de ônibus, micro-ônibus e vans de turismo na cidade. Os valores variam conforme o tipo de veículo e a época do ano: na baixa temporada, vão de R$ 219,56 a R$ 3.293,34; e na alta temporada e em feriadões, de R$ 329,33 a R$ 4.391,12.

Prefeitura de Cabo Frio vence disputa judicial com rede hoteleira

Após uma disputa judicial, a prefeitura de Cabo Frio voltou a cobrar em abril a taxa de R$ 2,5 mil de ônibus, micro-ônibus e vans de turismo. A rede hoteleira tinha impetrado uma ação contra a cobrança. O município diz que o dinheiro é usado para reduzir o impacto do grande fluxo de visitantes e melhorar a infraestrutura da cidade.

Entrada de ônibus de turismo em Paraty, só com taxa e autorização

A Prefeitura de Paraty adota taxa de acesso para vans, micro-ônibus e ônibus de turismo. Os valores variam conforme o tipo de veículo e o tempo de permanência, podendo chegar a mais de mil reais. O processo de autorização deve ser feito com antecedência mínima de sete dias junto a um representante local credenciado.

Búzios, um balneário ainda de graça para os visitantes

Entrar no balneário mais famoso do estado não tem preço. A Câmara Municipal de Búzios aprovou um projeto para criar a Taxa de Turismo Sustentável em novembro de 2025, com valores para pessoas e veículos (cerca de R$ 14,80 para carros e ônibus), mas a proposta foi arquivada após forte pressão de moradores e empresários.